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Entrevista | Juan Diego Ferrés. O biodiesel é estratégico para o país

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Ferrés é diretor industrial da Granol e presidente do Conselho Superior da Ubrabio. Desde o começo dos anos 90, é um defensor do uso do biodiesel,  muito antes mesmo do início da vigência do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB).

Canal: Qual a importância do Biodiesel no cenário energético?

O biodiesel é um importante substituto do combustível líquido mais utilizado no Brasil, que é o óleo diesel fóssil. Atualmente, a proporção de adição, estabelecida por lei, é de 7% de biodiesel no diesel (B7). Em comparação a outras fontes de energia, o biodiesel representa 0,95% de toda a matriz energética brasileira e 2,3% na matriz veicular nacional. Apesar de parecer um número pequeno, em poucos anos, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) viabilizou a instalação de mais de 50 unidades produtoras em atividade hoje, que utilizam matérias-primas nacionais, diminui a importação de diesel fóssil, gera empregos e tem desenvolvido tecnologias relacionadas com a atividade. Então, neste contexto é um combustível de enorme importância para o país, com efeitos sociais, econômicos e regionais.

Canal: Quais têm sido os principais entraves para setor?

O equilíbrio entre a oferta e a demanda. Como o PNPB foi criado de uma forma regulamentada priorizando a inserção dos agricultores familiares como fornecedores da matéria-prima e também com foco no desenvolvimento de diversificação de matérias-primas, o programa está sujeito a regras que se relacionam com a oferta e a demanda, os regulamentos do Selo Combustível Social e as autorizações por parte da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que é o órgão regulador. Esse conjunto institucional, em certos períodos tem criado espasmos no programa, que por alguns anos cresceu com relativo equilíbrio entre a oferta e a demanda proporcionada pelo mercado obrigatório, e em certos períodos ficou paralisado. Quando o crescimento do programa é paralisado, cria-se uma situação de relativa crise do setor, porque os produtores já instalados naturalmente fazem investimentos em escala e em tecnologia e inovação, para aumento da produção. A paralisação do programa gera um estresse que prejudica a economia do setor. Isso foi muito critico entre 2010 e 2014, até ser adotado o B7. E agora se demonstra igualmente uma certa demora para a aprovação de um marco regulatório que dê previsibilidade, para este equilíbrio entre a oferta e a demanda.

Canal: Por que o Brasil ainda importa tanto combustível se o biodiesel é competitivo?

Se dependesse de mim, o Brasil importaria menos combustível e o biodiesel já estaria previsivelmente crescendo continuadamente, já tendo ultrapassado a faixa do B8 e atingido até o B10 na mistura obrigatória. Da mesma forma, teríamos iniciado já os programas facultativos, usando o B20 Metropolitano e o B30 Agro, que o setor defende há vários anos que sejam viabilizados através da regulamentação. No entanto, existe uma certa pressão para preservar os mercados por parte dos atores da área de combustíveis fósseis para que o programa de biodiesel tenha um crescimento mais demorado. O consumo do óleo diesel aumentou bastante agora, mesmo com o quadro recessivo a partir de 2015, numa dinâmica diferente da que era observada até o ano passado. Até esse momento, o crescimento dos combustíveis fósseis tem uma proporção maior que o crescimento do PIB e o governo não agiu com suficiente rapidez para que o programa de biodiesel, na sua regulamentação, crescesse em uma proporção ainda maior, permitindo substituir uma parte importante dos combustíveis importados. Falta uma regulamentação que permita o crescimento. É um paradoxo, porque nós já temos um custo competitivo com o diesel fóssil, as vantagens do PNPB são enormes e inequívocas, e o Brasil está comprando diesel fóssil do exterior.

Canal: Quais as principais novidades no que se refere à produção de biodiesel?

Eu destaco os processos de produção, o aproveitamento de subprodutos e a expansão regional. Basicamente, o país partiu do processo de transesterificação. Hoje, as plantas têm maior escala, maior integração de rotas tecnológicas que permitem que não apenas se utilize a transesterificação. Ela continua como processo principal, mas nós temos processos periféricos que implicam em um rendimento maior, como a esterificação e os graxos dos óleos vegetais que servem como matéria-prima, então o rendimento aumentou sem prejudicar a qualidade. A industrialização dos subprodutos é outro ponto. Pouco a pouco a indústria está melhorando e fazendo investimentos na produção dos subprodutos, aumentando o valor agregado, como o exemplo da glicerina bidestilada, um produto farmacêutico comercializado internamente ou para exportação também. E a outra novidade é que tem havido uma expansão regional, o mapa da instalação de unidades produtoras abrange a maior parte do país, embora ainda seja notório que a densidade nas regiões Norte e Nordeste está aquém do que seria desejado. Quanto a este ponto, o governo, muitas vezes enfatizou que faria políticas específicas principalmente em relação ao Selo Combustível Social, criando vantagens econômicas que contemplassem as diferenças regionais, equalizando as regiões menos favorecidas para a atividade, e de fato isso não tem acontecido. Falta então, que o governo atue neste sentido, atendendo os interesses do país de se desenvolver de uma forma mais equilibrada entre as regiões, criando políticas específicas para o Norte e o Nordeste, por exemplo.

Canal: Para o Brasil, vale a pena destinar grandes áreas agriculturáveis para a produção de matéria-prima para o biodiesel, tanto economicamente quando ambientalmente?

Quanto a isso, não há o menor receio em afirmar que é interessante. O Brasil é um país onde a produção de soja contribui muito com o Produto Interno Bruto, especialmente nas exportações, e, no caso particular do biodiesel, quase 80% da matéria-prima é a soja. O setor trabalha também com sebo animal e óleo de algodão, e diversas outras oleaginosas com menor participação, e em todos os casos há um crescimento continuado, principalmente daquelas matérias-primas que são inovadoras.

No caso da soja, o óleo é a parte da soja que é destinada à produção de biodiesel e representa 20% da industrialização da soja. Os outros 80% são o farelo que alimenta as cadeias produtivas de proteína. Ou seja, a produção de biodiesel gera uma necessidade de destinação mercadológica do farelo. Quando as áreas agricultáveis estão sendo destinadas à produção de biodiesel, na verdade, estão sendo muito mais para a produção de alimentos. E a combinação das duas atividades, dos dois produtos, é que viabiliza economicamente esta atividade. Então, através da produção de biodiesel consegue-se viabilizar a produção de alimentos mais baratos, o que tem transformado o Brasil num país mais competitivo nas cadeias de produção de proteína no mundo. Quanto à parte de contribuição ambiental, o aquecimento global é um problema que se agravou nos últimos tempos e o biodiesel se ajusta como uma das alternativas para mitigar os efeitos deste problema ambiental, já que estamos utilizando um combustível renovável em substituição à energia fóssil do petróleo.  Então, não há dúvidas de que é um combustível ambientalmente sustentável.

Canal: Por que o Marco Regulatório do Biodiesel se faz tão necessário?

É uma questão de escolha. O país escolheu – a partir de 2004, quando se definiu o programa de biodiesel, e especialmente em 2006 com a lei que criou o PNPB, com a criação concomitante de um marco regulatório – um modelo que prioriza antes de mais nada a incorporação da agricultura familiar. Portanto, é preciso um marco regulatório para que se tenha a garantia à qualidade e à regularidade do combustível no fornecimento e abastecimento. Tanto para garantir a compra dos agricultores, quanto para a assistência técnica determinada pelo Selo Combustível Social. Hoje, 99,9% do biodiesel nacional é produzido por empresas detentoras do Selo. Portanto, elas se ajustam a todas as regras do MDA para concessão e manutenção do Selo Combustível Social. Isso é mais do que uma necessidade, é uma opção fazermos dessa forma aliando a sustentabilidade social à sustentabilidade ambiental. No conjunto, também não se pode esquecer da sustentabilidade econômica. Deveríamos estar aliando a gestão desses focos com o melhor equilíbrio da oferta e da demanda, para que a produção possa ter maior estabilidade de rentabilidade e constância no crescimento.

Mas o fator principal é o equacionamento da oferta com a demanda. Se houvesse uma melhor gestão disso, criando a progressão e a previsibilidade, para B8 inicialmente, e posteriormente para B9 e B10, nos prazos adequados e a previsibilidade e os mercados cativos, que, por definição, têm um pouco mais de flexibilidade porque são facultativos, podendo ser ampliados ou reduzidos em função da variante de preço em relação ao fóssil e isso depende também da localização das regiões, nesse caso nós teríamos um programa muito mais consistente e com maior sucesso, embora o programa atual seja um sucesso, mas poderia ter um sucesso ainda maior.

Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia

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