Biodiesel como vetor de aumento do PIB brasileiro

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Sérgio Beltrão é Administrador e Analista de Sistemas, com pós-graduação em Regulação, Concorrência e Reestruturação dos Setores de Infraestrutura, e MBA em Marketing. É diretor executivo da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) desde 2007, ano da fundação da instituição.

Canal- Jornal da Bioenergia: Quais são os gargalos atuais na produção de biodiesel no Brasil?

Sérgio Beltrão: O único gargalo atual para o setor é o Governo Federal não priorizar uma análise mais profunda sobre a janela de oportunidades traduzida na aptidão para liderança global do país como  a economia verde, especialmente no cenário atual de pós-pandemia e instabilidade global decorrente do conflito europeu.

O Brasil tem quase uma obrigação de exercitar uma visão estratégica com grande impacto geopolítico e protagonismo pelo esforço de descarbonização diante de sua inigualável potencialidade dos fatores de produção, de nossa biodiversidade e da vocação natural na área agroambiental e energética.

 Tudo isso aderente aos princípios e objetivos que regem a Política Energética Nacional (Artigo 1º da Lei 9.478/1997). são 14 dos 18 princípios que possuem forte relação com o biodiesel.

Canal: A instabilidade das regras para o setor atrapalha a evolução da produção?

Sérgio: Certamente. Segurança jurídica e previsibilidade são fundamentais para manutenção e atração de novos investimentos que permita uma transição para um modelo energético mais sustentável e que vem sendo consolidado tanto pela ampliação dos compromissos do Brasil de descarbonização até 2030 (COP 26) quanto pela política de Estado, que reconhece e estimula a inescapável transição energética com ênfase nas energias renováveis, o RenovaBio.

Canal: Atualmente, a mistura em 10%, abaixo dos 14% (B14) previstos para 2022 por resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), afeta a cadeia produtiva? Como?

Sérgio: O papel dos biocombustíveis será fundamental para essa viabilização, isso é, transição energética. No entanto, essa decisão sobrepôs a previsibilidade manifestada pela Resolução anterior do CNPE nº 16/2018, que estabeleceu  a utilização do B14 desde 01/03/2022, ou seja, reduziu em 40% a produção de um combustível sustentável.

Canal: O setor está em ociosidade?

Sérgio: Sim, com alta ociosidade. As 55 indústrias, distribuídas em 47 municípios de 15 estados de todas regiões, estão em média com 52% de ociosidade. Nós temos capacidade de produzir 12,8 bilhões de litros, mas demanda estimada para 2022, com o B10, é de apenas 6,2 bilhões.

 Canal: Como estão as tratativas com o Governo para chegar ao patamar de B15?

Sérgio: Temos tido reuniões com diversos ministérios (Casa Civil, Economia, MAPA, MCTI|) e teremos, em breve, também com o novo ministro do Ministério de Minas e Energia (MME), Adolfo Sachsida. Acreditamos que com seu perfil liberal, sólida formação acadêmica e experiência estamos diante de uma nova perspectiva para a retomada da trajetória de incremento do uso do biodiesel, originalmente estabelecida pela resolução CNPE 16/2018.

Temos plenas condições de ajudar o país a ultrapassar todo esse cenário de instabilidade e até de risco de falta de diesel fóssil, como tem sido noticiado. Enquanto a indústria amarga esta alta ociosidade, importamos em torno de 25% da necessidade interna de diesel, pois o Brasil é estruturalmente deficitário na produção interna. No acumulado de até abril, o Brasil já importou 4,7 bilhões de litros, 23,3% a mais que o mesmo período de 2021.

E, não há perspectiva de mudar esse quadro nos próximos anos. Pelo contrário, esse déficit tende a ser ampliado. É importante salientar que o biodiesel pode minimizar esse quadro não só pelo lado da oferta de combustível, mas ainda trazendo uma extensa gama de externalidades positivas nas dimensões econômica, social e ambiental.

Canal: Qual a atual produção do Brasil hoje? Há perspectivas de crescimento?

Sérgio: A produção de biodiesel se dá proporcionalmente à demanda. Com o B10 seria em torno de 6,2 bilhões. O setor entende, no entanto, que, mesmo com a larga capacidade atual, o ideal é retomarmos gradualmente o cronograma de avanço anteriormente estabelecido. Podemos avançar imediatamente para o B11, na sequência B12 e continuar progredindo até atingirmos o B15, em março de 2023.

Canal: Quantas usinas estão em funcionamento? Há previsão de aumento ou novas instalações?

Sérgio: Além da capacidade atual de quase 13 bilhões de litros das 55 indústrias, existem cinco unidades em processos de ampliação e outras 11 em construção, que adicionarão mais 2,4 bilhões de litros à capacidade anual, ultrapassando, assim, 15 bilhões de litros/ano.

Canal: Algum estado brasileiro se destaca na produção?

Sérgio: Três estados se destacam e são responsáveis por cerca de 60% da produção nacional. Na ordem vem o Rio Grande do Sul, com 26%, e Goiás e Mato Grosso, praticamente empatados com 17% cada. Na sequência, Paraná, com 14%, e Bahia, com 10%.

 Canal: Qual a importância do setor na geração de emprego e renda?

Sérgio: Nas 55 usinas, 19 mil pessoas estão ocupadas de forma direta apenas na produção do biodiesel e recebem 16% a mais que a média salarial dos empregos da agroindústria. O encadeamento do setor do biodiesel com os demais segmentos da economia gera 373 mil empregos.

A produção de biodiesel gerou, em 2021, PIB de R$ 10,5 bilhões e massa salarial de R$ 1,2 bilhão, o que representa 2% de toda a agroindústria brasileira. Considerando os encadeamentos intersetoriais, cada real adicional de produção de biodiesel promove a inclusão de outros R$ 4,4 na economia como um todo. A elevação de B10 para B14, como exemplo, resultaria em aumento de PIB total de R$ 25,5 bilhões.

Os investimentos neste parque industrial foram da ordem de R$ 10 bilhões. Estão em implantação 11 novas unidades e outras cinco em ampliação, com investimento total da ordem de mais R$ 2,5 bilhões.

Apenas na agricultura familiar, 74 mil famílias (por volta de 300 mil pessoas) de agricultores estão integradas à cadeia de produção do biodiesel, fornecendo matéria-prima. Em 2020, em todas as regiões do país, esses agricultores venderam matéria-prima para o biodiesel, alcançando montante de R$ 5,9 bilhões – números preliminares de 2021 apontam montante em torno de R$ 9 bilhões.

É inequívoco que o biodiesel seja vetor de aumento do PIB, interiorização e verticalização da indústria em prol do desenvolvimento regional, com ampliação da receita tributária, da agregação de valor do complexo soja em benefício às cadeias de proteínas animais adjacentes pelo aumento do processamento de soja para obtenção do óleo e consequente aumento de oferta e barateamento do farelo proteico indispensável para a produção de rações.

 Canal: Como anda a qualidade do biodiesel nacional?

Sérgio: Em relação à qualidade, a decisão de redução do uso do biodiesel privilegia a importação de tipo de diesel (S500) já banido em outros países, inclusive de país da América do Sul, por apresentar péssima qualidade e comprometimento da saúde pública. São causadores de diversas doenças cardiorrespiratórias, que impactam diretamente as despesas do sistema de saúde e na economia. Vale destacar que o biodiesel comercializado no Brasil possui, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), a mais rigorosa especificação do mundo a partir do maior programa de testes globalmente realizado sobre Biodiesel pelas montadoras e fabricantes de equipamentos, sob a coordenação do MME.

Cejane Pupulin – Canal-Jornal da Bioenergia

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