Transporte de cargas enfrenta cada vez mais dificuldades

A infraestrutura logística do Brasil há tempos não é um exemplo a ser seguido. Ainda assim, a atual crise econômica que assola todo o mundo deixou o cenário um pouco mais desanimador. Entretanto, alguns avanços começam a ser notados, bem como sinais de investimentos por parte do governo federal.

No Brasil existem três tipos de fluxos logísticos: internacionais, regionais e locais. Segundo o professor Orlando Fontes Lima Júnior, coordenador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes da Universidade de Campinas (Unicamp), no caso internacional, os principais problemas são legais, financeiros e de infraestrutura. “A burocracia e os altos juros são dois importantes gargalos da logística brasileira, mas pouco discutidos em face de infraestrutura também restritiva”, afirma.

Nesse sentido, o professor da Empz Educação, conveniada à Fundação Getúlio Vargas (FGV) em Goiás, Fernando Arbache, considera que o Brasil demonstra alguns problemas que ficaram ainda mais evidentes com a greve dos caminhoneiros, ocorrida no início de 2015. “A greve demonstrou a fragilidade de nossa logística, que é dependente do modal rodoviário. Essa situação acende um sinal de alerta, que mostra que existe uma grande dependência do transporte de carga por caminhões.”

“No caso do transporte rodoviário de cargas, a atual crise econômica levou todo o setor a uma situação de grande dificuldade. Em 2012, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiava 100% do valor dos caminhões a juros de 2,5% ao ano”, comenta o diretor técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis. Como a economia ia bem, os empresários acreditaram no desenvolvimento do País e investiram maciçamente em novos caminhões. “Com a crise atual, começaram a sobrar caminhões e muitas empresas e autônomos estão inadimplentes com as suas prestações, o que gerou o movimento de paralisação dos autônomos no mês de fevereiro.”

De acordo com Arbache, o maior uso de modal rodoviário no Brasil, se comparado aos Estados Unidos, por exemplo, encarece a produção nacional. “O custo de transporte no Brasil é 83% maior que nos Estados Unidos. Na Argentina a soja é transportada hegemonicamente por rodovia, porém a distâncias de 250 a 300 km. A diferença entre o Brasil e a Argentina é que aqui as distâncias médias são de mais de 1000 km, tornando nossos custos 94% superiores aos da Argentina.”

O diretor técnico da NTC&Logística, Neuto Gonçalves dos Reis, ressalta que dos cerca de 1,7 milhões de quilômetros de rodovias existentes apenas 212 mil quilômetros são pavimentadas. Segundo ele, o custo operacional de um caminhão numa rodovia não pavimentada cresce 55% em relação à rodovia pavimentada. “Esse total pavimentado peca pela má qualidade. Segundo a Pesquisa de Rodovias da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 62% enquadram-se no estado péssimo, ruim ou regular. Sabe-se que esta condição dos pavimentos aumenta cerca de 25% os custos de operação dos veículos, em relação às rodovias ótimas”, complementa.

Para tentar reverter o cenário ou ao menos minimizar os desgastes, o governo federal lançou o em 2012 o Programa de Investimentos em Logística (PIL), que prevê no setor rodoviário a concessão de 7 mil quilômetros de rodovias, com investimento estimado de R$ 46 bilhões. No setor ferroviário são previstos R$ 99,6 bilhões em construção e/ou melhoramento de 11 mil quilômetros de linhas férreas. Para 270 aeroportos regionais a previsão de investimentos é superior a R$ 7,3 bilhões. Por fim, para os portos é prevista aplicação de R$ 54,6 bilhões nos próximos cinco anos. Também serão investidos R$ 6,4 bilhões em acessos (R$ 3,8 bilhões no aquaviário e R$ 2,6 bilhões no terrestre).

Crise

De acordo com o professor Orlando, o atual momento de crise desestabiliza e desincentiva ações e investimentos de longo prazo no segmento logístico. Ele atribui à falta de planejamento dos últimos 30 anos as causas para a precariedade da logística no País. Como principal prejuízo, Orlando destaca a perda de competitividade internacional dos produtos brasileiros. Da mesma forma, Arbache acredita que o cenário de distribuição de modal será ainda prejudicado pela crise econômica mundial, pois certamente haverá menos investimento para infraestrutura.

“Provavelmente a redução da arrecadação, devido à crise, irá reduzir os recursos para investimentos em infraestrutura, mantendo a matriz modal inalterada e inviabilizando a melhoria da competitividade do Brasil junto ao mercado internacional”, acredita Arbache. Além disso, a crise poderá gerar insegurança em investidores internacionais, o que deverá reduzir a possibilidade de captação de investimentos.

Como consequência, é possível haver degradação da estrutura de movimentação de carga e aumento dos custos. Por fim, Arbache comenta que a falta de arrecadação resultará na redução do financiamento a caminhoneiros, propiciando o envelhecimento da frota, reduzindo assim a capacidade total de transporte.

Problemas

Neuto considera que, basicamente, as causas da precariedade da área de logística do País estão ligadas à falta de investimento público na infraestrutura de transportes. “Em meados da década de 1970, os investimentos no setor chegavam a 2,5% do PIB. Esse percentual foi caindo gradativamente, especialmente após a nova Constituição, que criou grandes encargos sociais para o governo. No final do governo Fernando Henrique, o investimento chegou a 0,1%. Daí para frente voltou a subir, mas hoje, ainda é inferior a 0,7% do PIB”, diz, comentando que as estimativas do Plano Nacional de Logística e Transportes do governo indicam que seriam necessários, em longo prazo, investimentos de R$ 428 bilhões para colocar a infraestrutura de transporte em boa ordem, enquanto a CNT estima que este valor deva chegar a R$ 987 bilhões.

Já com relação às rodovias, houve a concessão de quase 20.000 quilômetros, o que representou melhora importante das condições de tráfego da malha. Em contrapartida é necessário o pagamento de pedágios nem sempre baratos.
No caso das ferrovias, existem apenas cerca de 28.000 quilômetros de trilhos, muitos com traçado deficiente, o que ocasiona baixa velocidade de circulação dos trens. Há ainda problemas de diferenças de bitolas, passagem de nível e ocupação das faixas de domínio por favelas. O processo de concessões ferroviárias, introduzido na década de noventa, não melhorou significativamente esse cenário.

Como avanços que merecem destaque estão a chegada da Ferronorte à Rondonópolis e a recente inauguração de trecho da Norte Sul. Ferrovias importantes como a Transnordestina e a Ferrovia Oeste Leste (FIOL) têm apresentado andamento muito lento.

No caso do transporte aquaviário, o Brasil ainda aproveita mal a costa marítima e a navegação interior. Muitos rios, por falta de obras, ainda permitem navegação apenas na época das cheias.

Neuto destaca o levantamento do Instituto de Logística (ILOS), que apontou que o custo logístico no Brasil representava, em 2012, 11,5% do PIB (R$ 507 bilhões), quando este índice não passa de 7,6% nos Estados Unidos. Só o custo do transporte chega a 7,1% do PIB (R$ 312,4 bilhões). Deste total, R$ 275,6 bilhões (6,3%) são representados pelo transporte rodoviário de cargas.

Ana Flávia Marinho/ Canal – Jornal da Bioenergia

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