Se no passado o sebo bovino era relegado à produção de sabonetes, hoje ele disputa espaço com o óleo de soja no coração da matriz de biodiesel. Entre tarifas internacionais, metas regulatórias e pressão por preços, a gordura animal saiu da sombra para assumir o papel de protagonista na transição energética brasileira. Antes visto apenas como resíduo da indústria da carne, o sebo bovino vem ganhando papel estratégico no mercado de energia renovável. Desde 2005, com a criação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), essa gordura animal passou de insumo secundário da indústria de sabão para matéria-prima essencial na cadeia do biocombustível.
No Brasil, o sebo bovino é a segunda matéria-prima utilizada na produção de biodiesel, com uma participação que varia entre 13% e 15% do total. Essa gordura animal é utilizada para evitar a solidificação do biocombustível e é uma alternativa viável para a produção de biodiesel, especialmente devido à alta disponibilidade no país
Do frigorífico ao tanque
O sebo é obtido após o processamento de vísceras, ossos e partes não comestíveis do boi. Passa por clarificação em altas temperaturas (cerca de 120°C), filtragem e secagem, resultando em um produto pastoso, de cor esbranquiçada e odor característico. Por sua composição química, rica em ácidos graxos saturados, precisa ser misturado a óleos vegetais no processo de transesterificação, para evitar que o biodiesel solidifique. A vantagem é que esse tipo de éster apresenta maior estabilidade oxidativa em comparação aos derivados exclusivamente de óleos vegetais, além de oferecer um biocombustível com características próximas ao diesel fóssil.
Outro ponto positivo: ao contrário do óleo de soja, o sebo não compete com a produção de alimentos nem sofre impacto direto de quebras de safra, o que lhe dá certa segurança de oferta. Exportações em alta e tarifas que mudam o jogo Se no mercado interno o sebo já tem relevância, no comércio exterior ele virou alvo de disputas. Entre janeiro e julho de 2025, o Brasil exportou 290,8 mil toneladas de sebo bovino, quase 91% de todo o volume embarcado em 2024, de acordo com a Scot Consultoria.
Os Estados Unidos absorveram 98% dessas vendas. No entanto, a recente tarifa de importação de cerca de 50% imposta pelo governo norte-americano sobre subprodutos da pecuária brasileira mudou o cenário: exportar sebo para os EUA passou a ser uma operação quase proibitiva. Essa barreira deve, ao mesmo tempo, pressionar a oferta doméstica e abrir espaço para maior absorção interna, especialmente pelas usinas de biodiesel.
Pressão nos preços
O cenário internacional coincidiu com uma escalada nos custos. O óleo de soja, insumo dominante na produção de biodiesel (cerca de 74% da matéria-prima em 2024), variou de R$ 4.774 a R$ 6.650 por tonelada no ano passado, alta de 39%. Com exportações aquecidas, o preço do sebo bovino também subiu, em alguns momentos chegando perto do valor do óleo de soja — algo inédito na cadeia de biocombustíveis. Essa valorização trouxe ganhos para os fornecedores de gordura animal, mas apertou as margens das usinas, que precisam cumprir o mandato de mistura obrigatória de biodiesel ao diesel fóssil.
Perspectivas para 2026
De acordo com a Resolução nº 16 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a mistura obrigatória subirá de 14% para 15% (B15) em 2026. Isso deve elevar a demanda nacional de biodiesel para 10,7 bilhões de litros, segundo projeções da consultoria Veeries. Para atender a esse volume, a pressão sobre as matérias-primas tende a aumentar. O óleo de soja seguirá como base, mas gorduras animais e resíduos terão de ganhar espaço. O sebo bovino, portanto, aparece como um ativo estratégico: não só pela sua disponibilidade relativa, mas também por atender às novas exigências de sustentabilidade, como baixa emissão de carbono e rastreabilidade da cadeia produtiva.
Um mercado em disputa
A indústria de biodiesel brasileira vive, assim, um ponto de inflexão. De um lado, exportações de sebo com valores recordes e agora limitadas por barreiras tarifárias. Do outro, a necessidade interna crescente, estimulada por regulação e pela busca por alternativas ao óleo de soja. Para os frigoríficos e processadores de gordura, o momento é de oportunidade: preço valorizado e maior interesse das usinas. Para os produtores de biodiesel, o desafio será garantir contratos de fornecimento, controlar parâmetros de qualidade (como acidez e impurezas) e equilibrar custos em um mercado de margens estreitas.
O papel dos intermediários
Nesse tabuleiro complexo, especialistas defendem a importância de contar com representantes comerciais preparados para conectar oferta e demanda. Empresas como a AgroK atuam nesse elo, aproximando produtores de sebo e indústrias de biodiesel, garantindo não apenas segurança na negociação, mas também previsibilidade em um setor sujeito a choques externos e oscilações de preço.
Canal-Jornal da Bioenergia