O Brasil e o desafio da descarbonização do transporte naval

O transporte marítimo internacional é responsável por cerca de 90% do comércio mundial, também representa uma fonte significativa de emissões de gases de efeito estufa (GEE), respondendo por aproximadamente 3% das emissões globais. Se fosse um país, o setor ocuparia a sexta posição entre os maiores emissores do planeta. Essa realidade tem motivado uma série de iniciativas globais para redução dos impactos ambientais da navegação, capitaneadas pela Organização Marítima Internacional (IMO) que, em 2023, lançou uma estratégia revisada estabelecendo metas de neutralidade climática até 2050.

Nesse cenário, o Brasil encontra-se diante de um dilema estratégico: ao mesmo tempo em que detém uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e uma consolidada cadeia de biocombustíveis, sua infraestrutura portuária, regulatória e tecnológica ainda não está preparada para os desafios da transição energética do setor naval. Além disso, em 2027, começará a valer uma sobretaxa para embarcações que não utilizarem combustíveis considerados sustentáveis pela IMO. Essa medida poderá aumentar os custos logísticos das exportações brasileiras, especialmente de commodities como soja, milho, minério de ferro e carnes, o que pode afetar a competitividade brasileira no mercado internacional.

Apesar de o Brasil possuir algumas iniciativas importantes, como o projeto de produção de hidrogênio verde no Porto do Açu, no Rio de Janeiro, e estudos para usar combustíveis alternativos nas hidrovias da região Norte, ainda há um longo caminho pela frente. A infraestrutura dos portos precisa de investimentos para criar instalações seguras de armazenamento e abastecimento de combustíveis como hidrogênio, amônia ou metanol verde, que são considerados prioritários na classificação da IMO. Além disso, a adaptação da nossa frota marítima e a capacitação técnica das equipes envolvidas nos processos logísticos ainda estão em estágios iniciais.

Por outro lado, o Brasil tem uma vantagem única: sua experiência e grande capacidade de produção de biocombustíveis, especialmente o etanol feito da cana-de-açúcar e o biodiesel derivado de óleos vegetais e resíduos. Esses combustíveis são considerados “drop-in“, ou seja, podem ser utilizados nos motores convencionais com poucas mudanças, ao contrário do hidrogênio e da amônia, que precisam de tecnologias novas e investimentos altos em infraestrutura e nos equipamentos em que serão utilizados. Além disso, quando produzidos de forma sustentável, os biocombustíveis brasileiros têm uma pegada de carbono competitiva, com um grande potencial para reduzir os gases de efeito estufa ao longo de todo o seu ciclo de vida.

Apesar de serem considerados uma possível solução para a navegação marítima, os biocombustíveis têm sua legitimidade questionada em alguns fóruns internacionais. Argumentam que sua produção compete com a agricultura de alimentos, causa mudanças indiretas no uso do solo e apresenta dificuldades para serem utilizados em larga escala. A União Europeia, por exemplo, tem dado preferência a tecnologias de emissão zero, como o hidrogênio verde, marginalizando soluções mais tradicionais e descentralizadas, especialmente as que vêm de regiões tropicais. Se essa orientação se firmar na IMO, o Brasil poderá perder protagonismo na produção de bioenergia, sendo substituído por uma visão mais centrada na Europa para a descarbonização do setor.

Essa situação exige que o país adote uma postura diplomática firme e bem coordenada. É importante apresentar, com dados técnicos e científicos, a sustentabilidade dos biocombustíveis que produz, mostrando também que eles são viáveis economicamente e que trazem benefícios para a segurança energética e alimentar. Além disso, formar alianças com outros países produtores, como Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Indonésia e Índia, será fundamental para promover uma abordagem mais justa e plural na definição dos critérios para combustíveis sustentáveis.

Além disso, o Brasil precisa investir na modernização de seus portos, com foco na adaptação para diferentes tecnologias. Portos importantes como Santos, Itaqui e Vila do Conde podem se tornar centros de distribuição de energia limpa. Isso facilitaria a transição energética e abriria novas oportunidades para a indústria nacional que trabalha com fontes renováveis. Também é importante criar corredores verdes, ou seja, rotas marítimas com infraestrutura para abastecimento sustentável entre os portos parceiros, integrando comércio, proteção ao meio ambiente e inovação tecnológica na estratégia do país. Um projeto deste tipo, poderia ser realizado na Amazônia, onde a navegação é central.

A realização da COP30 no Brasil, prevista para este ano de 2025, é uma oportunidade para o país se destacar como um dos líderes mundial na transição energética no transporte marítimo. Trata-se de uma ocasião para fortalecer a diplomacia climática brasileira, baseada na bioeconomia tropical, na justiça energética e na valorização das soluções criadas no Sul Global. Para isso, será fundamental a colaboração entre os setores público e privado, a academia e a sociedade civil, todos trabalhando juntos em um projeto nacional voltado para a descarbonização do transporte naval.

O Brasil pode — e deve — transformar suas vantagens comparativas em liderança transformadora. Não se trata apenas de reduzir emissões, mas de conceber a logística marítima a partir de uma perspectiva inclusiva, sustentável e soberana.

Por Samy Kopit – Analista de Produtividade e Inovação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial

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