No Brasil, o etanol tem sua história bem marcada pela cana-de-açúcar — o programa Proálcool, iniciado em 1975, consolidou esse insumo como base do biocombustível nacional. Hoje, porém, as engrenagens da bioenergia giram para incorporar outras matérias-primas — e os ventos da inovação sopram forte. Em 2024, o milho já representou cerca de 20% da produção de etanol no país. Usinas movidas a sorgo e trigo, por sua vez, estão prestes a entrar em operação. A pesquisa ainda explora a planta Agave sisalana — típica de regiões semiáridas — como uma futura matéria-prima.
Por que essa diversificação importa
Depender quase exclusivamente da cana traz riscos: clima adverso, entressafra e logística limitada tornam a cadeia vulnerável. Revista Pesquisa Fapesp Ao introduzir o milho, o sorgo e o trigo, a indústria ganha flexibilidade — por exemplo, o milho pode ser armazenado e processado ao longo de mais meses, enquanto a cana exige tratamento rápido após a colheita. Além disso, a previsão de crescimento da demanda para o etanol no Brasil aponta para cerca de 48,2 bilhões de litros em 2035. Revista Pesquisa Fapesp O milho, que em 2024 produziu algo em torno de 7,4 bilhões de litros, pode saltar para cerca de 16,3 bilhões dentro de dez anos, chegando a representar cerca de 30% da produção nacional.
Especificidades das novas matérias-primas
Milho: Já amplamente utilizado, permite operação mais contínua das usinas e apresenta maior facilidade de armazenamento em comparação à cana.
Sorgo: Tem custo estimado entre 15% e 25% menor que o milho para rendimento semelhante de etanol e subprodutos (como DDGS, ração animal). Em regiões mais secas, seu desempenho supera o milho.
Trigo e outros cereais: No Sul do Brasil, o trigo começa a ganhar espaço para o etanol — principalmente em regiões onde a cana não se adapta bem. Exemplo: usina em Santiago (RS) trabalha com trigo de qualidade inferior para alimentação humana, transformando descarte em valor.
Agave: Planta suculenta típica de regiões semiáridas, investigada por um programa coordenado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ainda em fase experimental, ela pode gerar até 7.400 litros de etanol por hectare/ano — menos que a cana, mas mais que o milho e com vantagem em áreas secas. O desafio: metabolizar o açúcar (inulina) da planta, para o qual foi desenvolvida uma cepa modificada de levedura.
Impactos para o setor de bioenergia
Para o agro e para a indústria, estamos diante de uma virada: usinas tradicionais de cana-açúcar podem mudar o “mix” nas entressafras, processando milho, sorgo ou trigo. Isso reduz o período de ócio e melhora a eficiência produtiva. Do ponto de vista regional, novas matérias-primas abrem caminhos em regiões que antes tinham menor competitividade para a cana. Denk-se no Sul do país ou no semiárido, onde o agave ou o sorgo demandam menos água ou se adaptam melhor. Também há repercussão para o setor financeiro e investidores: novas tecnologias, novas usinas, novos fluxos de negócio.
Desafios persistem
Claro: não é “substituir” a cana e sim “complementar”. A cadeia da cana está consolidada, com know-how, logística e escala. As novas matérias-primas exigem investimento em pesquisa, adaptação tecnológica e mercados para subprodutos. No caso do agave, por exemplo, ainda não há produção comercial de etanol no Brasil. E, para o trigo ou outros cereais, custos logísticos e de processo ainda são barreiras em regiões onde o etanol de cana domina. A diversificação das matérias-primas — milho, sorgo, trigo, agave — sinaliza uma indústria mais resiliente, mais estratégica e aberta a inovações. Para o Brasil, é mais do que “mudança de matéria-prima”: é a fixação de um futuro energético que conecta tradição (a herança pró-álcool) e visão (a bioeconomia que desponta).
Canal-Jornal da Bioenergia com dados de publicação da Revista Pesquisa Fapesp
Canal Bioenergia Referência em Bioenergia e Agronegócio


