Setor sucroenergético e os desafios atuais

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O presidente do Bioenergia Brasil e também do Sindicato das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (SIAMIG), Mário Campos Filho, foi entrevistado pelo Canal- Jornal da Bioenergia. Durante a entrevista, ele destacou a importância do etanol para a mobilidade sustentável

Confira:

Canal: Em termos institucionais, quais foram os maiores avanços e o que ficou sem ser resolvido no ano passado no setor sucroenergético?

Mário: Em termos institucionais, vale destacar o retrospecto do ano passado. No início do ano, tivemos um anúncio de extrema importância para nós: a possibilidade de alcançar uma mistura de 30% de anidro, matéria em tramitação no Congresso Nacional como parte do combustível do futuro. Isso suscita outras questões relevantes relacionadas ao combustível verde do futuro, como o CCS e outros aspectos importantes que serão avaliados e debatidos no Congresso Nacional. Além disso, há a retomada da regularidade do RenovaBio, que também merece destaque. Estes são os pontos institucionais que considero pertinentes destacar.

Além disso, é importante destacar uma medida bastante interessante que foi implementada no final do ano: o novo regime automotivo brasileiro, conhecido como MOVER. Esse novo regime introduz o conceito de ciclo de vida para as emissões, atendendo a uma demanda antiga. O Brasil se destaca como pioneiro nesse tipo de avaliação, o que é fundamental para o futuro da mobilidade sustentável no país. Esse avanço é especialmente relevante para o futuro dos biocombustíveis no Brasil, dada a sua grande vocação nesse setor. Agora, temos uma maneira mais adequada de medir as emissões, o que nos torna bastante competitivos em comparação com outras tecnologias.

Canal: Na avaliação do senhor quais os cenários para a próxima safra na região?

Mário: O cenário para a próxima safra apresenta desafios significativos, com períodos de estiagem observados, especialmente no final do ano passado. Essa condição climática pode prejudicar algumas regiões produtoras de cana-de-açúcar no Brasil, bem como impactar a produção de grãos. A última safra teve uma disponibilidade de cana-de-açúcar afetada devido aos períodos de estiagem.

A tendência é que o País se torne cada vez mais voltado para a produção de açúcar. Este ano, teremos a inauguração de novas fábricas para a nova safra, e há um esforço para aumentar o mix de açúcar. Portanto, é esperado um aumento na produção de açúcar em dezembro, especialmente considerando que o mercado de açúcar está remunerando bem em 2024.

Quanto ao etanol, enfrentamos o desafio de recuperar o mercado após os ajustes feitos em 2023 para equilibrar a oferta e a demanda. Dependerá também do cenário internacional do petróleo e de seus efeitos no câmbio brasileiro. Se conseguirmos recuperar parte da demanda perdida nos últimos anos, podemos ter resultados melhores do que os observados este ano. Essa é a tendência para a nova safra.

Canal: Num momento de euforia em torno do carro elétrico, quais os maiores desafios para o setor de produção de etanol nacional?

Mário: A pergunta sobre carros elétricos é interessante, especialmente considerando a recente volta, em janeiro, do imposto de importação para veículos elétricos no Brasil. Essa medida, gradual, foi extremamente importante do governo. Em 2023, a venda de veículos elétricos puros no Brasil representou apenas 0,9% do mercado, justificando a reintrodução do imposto, já que esses veículos são todos importados. No entanto, vale ressaltar que temos uma tecnologia alternativa, os híbridos.

A indústria automobilística brasileira, essencial para a economia, com um forte encadeamento produtivo, está dialogando com suas matrizes. Ela argumenta que o Brasil já fez uma descarbonização que o mundo procura, graças ao etanol. Isso mostra que podemos seguir uma rota diferenciada, com uma diversidade de produtos aqui.

Essa rota diferenciada pode representar o principal mercado para as montadoras. Existe uma dependência mútua: nós, produtores de etanol, precisamos de veículos para ter consumo, e a indústria automobilística nacional depende do etanol para mostrar sua viabilidade.

Se não tomarmos cuidado, podemos acabar com um mercado automotivo brasileiro dependente da importação ou de uma montagem simples de veículos aqui, já que outros países estão muito à frente na questão da tecnologia de baterias.

É crucial encontrar as políticas públicas necessárias. O MOVER, por exemplo, traz o Conselho de IPI Verde, que oferece um diferencial de IPI para carros híbridos a etanol, o que é uma boa notícia. Além disso, o Conselho de Ciclo Primeiro do Poça Roda e depois do “Berço ao Túmulo” dá uma competitividade ambiental significativa para o etanol.

Com essas medidas, as montadoras brasileiras podem argumentar com suas matrizes que, com veículos a etanol no Brasil, o nível de emissão é praticamente o mesmo, ou até melhor, que o dos veículos elétricos. Precisamos encontrar o melhor caminho para que essas duas indústrias importantes possam continuar se desenvolvendo.

Canal: O senhor acha que o setor tem se comunicado adequadamente com a sociedade nesta questão da transição energética?

Mário: É inegável que o setor de comunicação com a sociedade melhorou significativamente em comparação ao passado, mas ainda não atingiu o nível necessário para os desafios atuais. Essa é a mensagem principal que devemos absorver. A recente campanha lançada pela Unica, embora louvável, precisa ser apenas o começo de uma iniciativa contínua para o setor. É crucial que as empresas se unam e reconheçam a importância estratégica do marketing.

No passado, tínhamos uma mentalidade voltada apenas para as safras de cana-de-açúcar, mas agora o cenário mudou, com a inclusão do etanol de milho. O conceito de entressafra da cana-de-açúcar, antes apenas produtivo, agora deve ser encarado também sob uma ótica mercadológica. Durante esses períodos, há uma oferta de produtos que deve ser aproveitada. Chamamos isso de ‘jornada de descarbonização do consumidor’.

Precisamos criar valor para nosso produto. O etanol sempre foi visto como uma alternativa mais barata à gasolina, o que torna o preço um fator determinante na decisão de compra. No entanto, é essencial mudar essa percepção e destacar outros aspectos do nosso produto para uma parte significativa do mercado. Devemos escapar da armadilha de simplesmente comparar a eficiência do etanol com o preço da gasolina ou dos impostos sobre o etanol em comparação com a gasolina no dia a dia.

Acreditamos que a comunicação eficaz pode ser a chave para isso. Precisamos adotar uma abordagem moderna e atualizada que ressoe com nosso público-alvo e os desafios do nosso tempo.

Canal: O etanol na mobilidade sustentável não corre o risco de no Brasil deixar se ser ator principal e virar coadjuvante?

Mário: Sobre o uso do etanol na mobilidade, é evidente que existem riscos a considerar. No entanto, também temos diante de nós uma oportunidade significativa. Não apenas para fornecer uma alternativa viável para a mobilidade terrestre, mas também para explorar as possibilidades na mobilidade marítima e aérea. Isso inclui o uso de Sustainable Aviation Fuel (SAF) e Bunker, bem como a alternativa do Bunker Marítimo. Além disso, há a perspectiva promissora da produção de hidrogênio a partir de etanol. Portanto, o futuro apresenta diversas oportunidades, e o desafio reside em como alcançá-lo, garantindo um parque produtivo capaz de investir, sem enfrentar as crises dos últimos anos. Este é o grande desafio do setor. No momento, nossa atenção está voltada para a mobilidade terrestre, considerando a grande quantidade de veículos no Brasil, mais de 80% dos quais podem utilizar etanol. Portanto, é fundamental capitalizar esse mercado existente e trabalhar em conjunto com a indústria automobilística para construir o mercado do futuro.

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