Energia limpa em expansão: os avanços da eólica no Brasil

Nesta entrevista ao Jornal da Bioenergia, Elbia Gannoum, Presidente Executiva da ABEEólica, destaca o papel crescente da energia eólica na matriz elétrica brasileira, que já representa cerca de 16% da geração nacional. Ela explica os fatores que colocam o Brasil entre os líderes globais do setor, os avanços regulatórios recentes — como o marco da eólica offshore — e os benefícios socioeconômicos gerados, especialmente no Nordeste. Elbia também aponta os desafios logísticos e regulatórios que precisam ser superados para garantir a continuidade do crescimento, e reforça a importância da fonte eólica para a transição energética e o desenvolvimento sustentável do país.

Canal – Jornal da Bioenergia: Qual tem sido o impacto da energia eólica na matriz energética brasileira nos últimos anos?

Elbia Gannoum: A energia eólica tem desempenhado um papel cada vez mais relevante na matriz elétrica brasileira. Desde 2021, ela já representa mais de 10% da nossa matriz e, graças ao seu crescimento exponencial, atualmente corresponde a cerca de 16%, com uma capacidade instalada de 34 gigawatts. Hoje, é a segunda maior fonte de geração de energia no país, ficando atrás apenas da hidrelétrica.

Canal: O Brasil tem se destacado na geração de energia eólica na América Latina. Quais fatores contribuíram para esse crescimento?

Elbia: Um dos principais fatores é a qualidade dos ventos no Brasil, especialmente na região Nordeste, onde são mais constantes e unidirecionais, o que favorece a eficiência da geração eólica. Além disso, o país possui um vasto território, com amplo espaço disponível para a instalação de novos parques. Esses diferenciais colocam o Brasil em uma posição de destaque: atualmente, ocupamos o 5º lugar no ranking global de capacidade instalada, segundo dados recentes do Global Wind Energy Council (GWEC).

Canal – Jornal da Bioenergia: Quais políticas públicas e incentivos têm sido fundamentais para o desenvolvimento da energia eólica no país?

Elbia: O desenvolvimento da energia eólica no Brasil é resultado de uma combinação estratégica de políticas públicas e incentivos que foram fundamentais para impulsionar o setor. Um marco importante foi a criação de programas específicos para fomentar as fontes renováveis, como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que teve como objetivo aumentar a participação de fontes alternativas, como a energia eólica, as pequenas centrais hidrelétricas e as termelétricas a biomassa, na matriz elétrica brasileira.

A partir de 2009, o setor ganhou ainda mais dinamismo com a realização de leilões de energia promovidos pelo governo federal, dedicados exclusivamente à fonte eólica. Esses leilões proporcionaram previsibilidade e segurança jurídica, ao garantir contratos de longo prazo para a comercialização da energia gerada, criando um ambiente favorável para que empresas pudessem investir em novos projetos com confiança.

Outro fator essencial foi o papel desempenhado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que ofereceu condições de financiamento atrativas para os empreendimentos eólicos. Além disso, o banco incentivou a nacionalização da cadeia produtiva, contribuindo significativamente para a geração de empregos, o fortalecimento da indústria nacional e a transferência de tecnologia para o país.

Mais recentemente, o Brasil avançou na consolidação de sua liderança na transição energética global com a aprovação de importantes marcos legais:

  • Marco Legal da Energia Eólica Offshore (Lei nº 15.097/2025): sancionada em 2025, essa legislação estabelece regras claras para a exploração da energia eólica no mar, abrindo espaço para investimentos robustos em parques offshore e aproveitando o vasto potencial energético do litoral brasileiro.
  • Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Lei nº 14.948/2024): regulamenta a produção de hidrogênio com baixa pegada de carbono, institui uma certificação voluntária e cria incentivos tributários, estimulando sinergias entre a energia eólica e a produção de hidrogênio verde.
  • Lei do Mercado de Carbono (Lei nº 15.042/2024): estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), criando um mercado regulado de carbono no país.

Essas legislações são fundamentais porque reforçam a integração da energia eólica com novas tecnologias, consolidando o compromisso do Brasil com a transição energética e com a construção de uma economia de baixo carbono.

Canal – Jornal da Bioenergia: O setor de energia eólica tem sido uma fonte relevante de empregos. Há estimativas sobre quantos postos de trabalho foram gerados direta ou indiretamente?

Elbia: Sem dúvida. A criação de políticas públicas foi fundamental para viabilizar a chegada e o crescimento das eólicas no Brasil, especialmente com a implantação do Proinfa, há 20 anos. Esse programa permitiu o desenvolvimento de uma indústria nacional sólida, com cerca de 80% de sua cadeia produtiva estabelecida localmente, gerando um ciclo virtuoso de capacitação, emprego e renda, sobretudo no Nordeste, que atualmente é responsável por mais de 90% da produção de energia eólica no país.

Considerando a capacidade instalada atual de 34,8 GW, estima-se que tenham sido gerados aproximadamente 372 mil postos de trabalho diretos e indiretos na fase de CAPEX (investimentos e construção dos parques). Na fase de OPEX (operação e manutenção), são cerca de 21 mil empregos diretos e indiretos, demonstrando o forte impacto socioeconômico do setor.

Canal – Jornal da Bioenergia: Como a energia eólica pode contribuir para o cumprimento das metas de descarbonização e sustentabilidade do Brasil?

Elbia: A energia eólica é uma fonte renovável, não emissora de gases de efeito estufa, sendo fundamental para a redução das emissões no setor elétrico, um dos pilares da transição energética.

O Brasil possui alguns dos melhores recursos eólicos do mundo, especialmente nas regiões Nordeste e Sul, onde se concentram as principais usinas do país. Já ultrapassamos os 34 GW de capacidade instalada, o que corresponde a aproximadamente 16% da matriz elétrica brasileira.

E o potencial de expansão ainda é enorme, tanto para a geração onshore (em terra) quanto offshore (no mar). Além disso, a energia eólica impulsiona o desenvolvimento de outras tecnologias limpas, como a produção de hidrogênio verde e o armazenamento energético por meio de baterias estacionárias.

Seu avanço promove benefícios socioeconômicos expressivos: geração de empregos qualificados, desenvolvimento regional e diversificação da matriz energética, contribuindo para a segurança energética do país de maneira ambientalmente responsável.

Canal – Jornal da Bioenergia: Quais são as perspectivas para o avanço da tecnologia no setor eólico, como parques offshore e armazenamento de energia?

Elbia: Estamos vivendo um momento desafiador, com a primeira grande crise do setor, provocada principalmente pelos cortes de geração renovável, que já somam mais de R$ 3 bilhões em prejuízos desde o apagão de 2023.

Apesar disso, o futuro é promissor. A partir de 2027, esperamos retomar o crescimento, impulsionados pela recente aprovação do PL de Offshore. Agora aguardamos a regulamentação da lei e o leilão de cessão de áreas. O interesse já é evidente, com diversos pedidos de licenciamento ambiental no Ibama, demonstrando o forte apetite de investidores e desenvolvedores por essa nova fronteira tecnológica.

A previsão é que os primeiros aerogeradores offshore entrem em operação a partir de 2031. A geração eólica no mar representa uma enorme oportunidade para a reindustrialização verde do país, além de ser uma nova fonte energética que impulsionará emprego, renda, desenvolvimento econômico e social, além de abastecer setores estratégicos como a produção de hidrogênio de baixo carbono e os data centers, altamente eletrointensivos.

Em relação ao armazenamento de energia, o setor aguarda a publicação, pelo Ministério de Minas e Energia (MME), das diretrizes do Leilão de Reserva de Capacidade de Baterias, previsto para o final de 2025.

Essa tecnologia já se mostra economicamente competitiva em relação a fontes convencionais, como termelétricas e hidrelétricas, sendo essencial para garantir flexibilidade, estabilidade e segurança ao sistema elétrico, especialmente em um cenário de alta penetração de fontes renováveis variáveis, como a eólica e a solar.

A integração entre energia eólica e armazenamento permitirá um melhor aproveitamento dos excedentes, a redução dos cortes de geração e o fortalecimento da confiabilidade da rede.

Canal – Jornal da Bioenergia: Quais desafios regulatórios e logísticos ainda precisam ser superados para ampliar a participação da energia eólica no Brasil?

Elbia: No campo regulatório, um dos principais entraves atualmente são os cortes de geração eólica. Esses cortes ocorrem quando uma usina está apta a gerar energia, mas precisa reduzir ou interromper sua produção por decisão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que adota medidas conservadoras de segurança.

Desde o apagão de 15 de agosto de 2023, esses critérios foram intensificados, limitando a transmissão entre regiões e provocando perdas significativas. Só em 2024, a energia eólica perdeu 8,8 TWh de geração devido a esses cortes.

O mais preocupante é que, embora as empresas não sejam responsáveis por essas restrições, muitas não recebem nenhuma compensação financeira, permanecendo obrigadas a cumprir seus contratos, mas sem a correspondente receita.

Esse cenário gera um ambiente de incerteza, afasta investimentos e ameaça a sustentabilidade econômica de projetos em operação. Já há relatos de fábricas fechando, desemprego e desmobilização da cadeia produtiva, o que compromete o avanço que o Brasil conquistou nas últimas décadas no setor de renováveis.

É urgente encontrar soluções para mitigar esses cortes, seja com reforços na infraestrutura de transmissão, seja com ajustes regulatórios que garantam segurança jurídica, previsibilidade e o ressarcimento às empresas impactadas. O Brasil tem um potencial imenso, mas é preciso criar as condições adequadas para que ele se concretize.

No campo logístico, há também importantes desafios. É essencial melhorar a infraestrutura viária, especialmente no que diz respeito à manutenção de estradas, pontes, viadutos e passarelas, que precisam ser reforçados para suportar o aumento do peso e das dimensões dos novos aerogeradores, cada vez mais potentes.

Além disso, é necessária a ampliação da largura das vias e o aumento da altura de obras de arte, adequando-as ao transporte de equipamentos de grandes dimensões.

Outro ponto estratégico é a viabilização do transporte marítimo, uma alternativa que pode reduzir significativamente os custos logísticos e facilitar a chegada dos componentes aos locais de instalação.

A superação desses desafios requer uma atuação conjunta entre governo e iniciativa privada, com atualização das normas e investimentos em infraestrutura que acompanhem o ritmo de crescimento do setor eólico no Brasil.

Canal: Que mensagem a ABEEólica gostaria de transmitir à sociedade sobre a importância e os benefícios da energia eólica?

Elbia: A energia eólica se consolidou como uma das principais fontes de geração de eletricidade limpa e renovável no Brasil. Produzida a partir da força dos ventos, ela contribui diretamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa, ajudando a combater as mudanças climáticas e promovendo um futuro mais sustentável para todos.

Além dos ganhos ambientais, os projetos eólicos geram desenvolvimento local. Ao se instalarem em diversas regiões, principalmente no Nordeste, os parques criam empregos, movimentam a economia local e geram renda para as comunidades vizinhas.

No contexto da transição energética, a energia eólica é uma aliada estratégica, fortalecendo a matriz elétrica nacional e tornando-a mais limpa, segura e diversificada.

A mensagem da ABEEólica é clara: ao apoiar essa fonte de energia, estamos investindo em um modelo de desenvolvimento que respeita o meio ambiente e melhora a qualidade de vida da população brasileira.

 

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