O impacto do novo “tarifaço” anunciado pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros pode comprometer setores estratégicos da agroindústria goiana, como o de carnes, açúcar e ferro-níquel. Em entrevista ao Canal – Jornal da Bioenergia, o presidente da Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Adial), Edwal Portilho, aponta os riscos imediatos e defende um prazo de transição para minimizar os danos às exportações. Ele também analisa os efeitos da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, os gargalos logísticos que limitam a competitividade de Goiás e os caminhos para a agregação de valor à produção agropecuária. “Precisamos de energia firme, segurança jurídica e comunicação eficiente para mostrar ao mundo a sustentabilidade do que produzimos aqui”, afirma.
Canal – Jornal da Bioenergia: O “tarifaço” anunciado pelos Estados Unidos, com aumento de tarifas sobre produtos como aço e alumínio, etc, pode ter impactos diretos ou indiretos na agroindústria goiana. Como a Adial avalia essa movimentação e quais setores podem ser mais afetados?
Edwal Portilho – Sobre o tarifário previsto para entrar em vigor a partir de 1º de agosto, caso seja realmente aplicado nos moldes atuais — com elevação de até 50% sobre os produtos brasileiros —, o impacto será significativo para Goiás, que mantém uma balança comercial fortemente voltada às exportações para os Estados Unidos. Entre os principais produtos embarcados para o país norte-americano estão a carne bovina, o ferro-níquel e o açúcar.
O risco, segundo ele, é de comprometimento direto na extração de ferro-níquel e nas vendas de carne bovina dentro das cotas Hilton, que exigem rigorosos padrões de qualidade. “Essas cotas já existem há muitos anos, e só as grandes marcas conseguem atender às exigências do mercado americano”, afirmou.
O açúcar, terceiro item na pauta de exportações goianas para os EUA, também poderá sofrer forte impacto, principalmente porque os volumes exportados são altos e muito difíceis de redirecionar para outros mercados em tão pouco tempo. “O reposicionamento desses produtos em outros canais de negociação é praticamente impossível.”
Diante desse cenário, o adiamento da medida por pelo menos 90 dias seria fundamental para dar tempo às empresas de se organizarem. “Um prazo maior ajudaria a digerir parte dos impactos e a buscar alternativas, mesmo que limitadas.”
Outros setores também podem ser afetados, ainda que em menor escala, como o de frutas e, principalmente, o de pescados de cultivo, como a tilápia, que é exportada na forma de filés resfriados. “Esse setor está bastante vulnerável. A empresa impactada por esse tarifário vai ter que escolher entre duas alternativas difíceis: ou diminui a produção — o que afeta diretamente o faturamento e o número de postos de trabalho —, ou tenta migrar o mix de produtos para outros mercados, o que envolve um caminho extremamente complexo, com barreiras sanitárias e a necessidade de acordos bilaterais.”
Canal: A aprovação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental tem sido celebrada por parte do setor produtivo. Na sua visão, quais os principais avanços dessa legislação para a agroindústria e o que ainda precisa ser ajustado na prática?
Edwal: A aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental foi um avanço extraordinário para a nossa legislação. Até então, estávamos presos a um arcabouço ultrapassado, como o antigo Código Nacional do Meio Ambiente e as resoluções do Conama, que já não correspondiam à realidade atual.
Hoje contamos com mecanismos modernos de monitoramento, como o uso de satélites, que permitem acompanhar em tempo real nossas matas e reservas. Por isso, defendi essa modernização. Precisamos também avançar na homologação dos nossos Cadastros Ambientais Rurais (CAR), para que tudo esteja integrado em uma plataforma única, auditável e rastreável.
É importante deixar claro: a nova lei não facilita o desmatamento ilegal nem permite que empresas atuem sem o devido licenciamento ambiental. O que ela faz é tornar os processos mais eficientes, especialmente para projetos que estão aguardando relicenciamento ou para novos empreendimentos que precisam iniciar suas atividades de forma legal e sustentável.
Essa legislação foi construída com base em muito estudo técnico, com o apoio do Instituto Pensar Agro. Participei ativamente das discussões e posso afirmar que ela representa um grande avanço: acelera a obtenção de licenças, dá mais segurança jurídica e ajuda a viabilizar investimentos que geram emprego e renda, sempre com responsabilidade socioambiental.
Canal – Goiás tem se destacado como polo agroindustrial, mas a infraestrutura logística continua sendo um desafio. Quais são os gargalos mais críticos hoje e como a Adial tem atuado junto ao governo para superá-los?
Edwal: Quando falamos em infraestrutura, é preciso reconhecer que há, sim, demandas importantes por novos investimentos, principalmente na malha rodoviária. Por meio do Fundo de Infraestrutura, de recursos do Tesouro estadual e das obras executadas pela Goinfra, conseguimos avançar, mas ainda há muito a ser feito.
Outro ponto que merece atenção é a ferrovia Centro-Atlântica, cuja concessão com a VLI está próxima do vencimento. Ao que tudo indica, será lançado um novo edital, e precisamos estar atentos aos critérios e exigências de investimento. Nossa prioridade deve ser garantir que, além da operação plena da Ferrovia Norte-Sul — que hoje já está funcionando —, tenhamos condições adequadas para a ligação com o Sul do país e, principalmente, para o escoamento de cargas até o Porto de Vitória, no Espírito Santo, e também para os portos do Rio de Janeiro e de São Paulo, via Uberaba.
No entanto, a maior preocupação atual é com a energia elétrica. Podemos enfrentar, em breve, um verdadeiro apagão se não houver investimentos pesados na distribuição, na construção de redes de 138 e 69 kV e nas subestações. A concessionária hoje não consegue acompanhar o ritmo do desenvolvimento do nosso estado. Herdamos uma demanda reprimida muito grande, resultado da falta de investimentos no passado.
Estamos trabalhando com o governo estadual na busca por funding que dê suporte ao avanço agroindustrial e industrial de Goiás. Nosso estado precisa de energia firme, disponível 24 horas por dia, para garantir o crescimento das empresas e a chegada de novos investimentos. Energia solar e outras fontes renováveis são bem-vindas, mas não suprem, sozinhas, a necessidade de base.
É importante lembrar que, com o fim dos incentivos fiscais previsto para 2032, elementos como fornecimento de energia confiável, logística competitiva, sanidade animal e vegetal e infraestrutura de excelência precisarão ser nossos grandes diferenciais. Sem isso, perdemos em competitividade industrial.
Canal: O crescimento das exportações do agro goiano demanda maior atenção à sustentabilidade e à rastreabilidade. Como a agroindústria local está se adaptando às exigências dos mercados internacionais, especialmente da União Europeia?
Edwal: O crescimento das exportações está diretamente ligado à nossa capacidade de garantir sustentabilidade e rastreabilidade. Aqui na Adial, temos trabalhado intensamente nesse sentido. Já somos signatários e multiplicadores do Pacto Global da ONU e seguimos avançando no compromisso com práticas cada vez mais responsáveis e transparentes.
Acredito que sanidade animal, sanidade vegetal e rastreabilidade são itens essenciais de competitividade, e vamos continuar perseguindo esses objetivos com parcerias público-privadas. Nosso foco é implementar sistemas e ferramentas de controle cada vez mais eficientes, garantindo rastreabilidade total dos rebanhos, mitigando riscos sanitários e elevando o padrão da nossa agricultura.
Nossa agricultura está cada vez mais voltada à sustentabilidade. Vemos isso nos tratos culturais que priorizam a melhoria do solo, o uso de bioinsumos, o avanço da agricultura regenerativa e, em alguns casos, até da agricultura orgânica — especialmente no cultivo de cana-de-açúcar. Também temos investido no plantio direto e na preservação das nascentes.
É isso que precisamos mostrar ao mundo: que somos capazes de produzir alimentos e biocombustíveis de forma sustentável, muitas vezes com duas ou três safras por ano na mesma área. E, para isso, a irrigação é fundamental.
Defendo que devemos buscar investimentos — via Banco Mundial, BID e outros organismos — para garantir a reservação de água no período chuvoso, permitindo seu uso estratégico durante a seca. Isso nos dará a base para uma agricultura verdadeiramente sustentável: social, econômica e ambientalmente.
Além de produzir alimentos e gerar empregos com o processamento dos grãos e matérias-primas, nossa atuação também contribui para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, com o avanço dos biocombustíveis e o uso crescente de tecnologias mais limpas e eficientes.
Canal: Um tema recorrente no setor é a insegurança jurídica, especialmente relacionada à regularização fundiária e ao licenciamento. Como isso tem afetado os investimentos na agroindústria e o que a Adial propõe para mitigar esse cenário?
Edwal: Um dos pontos que mais nos preocupa hoje é a insegurança jurídica, especialmente na área ambiental. Grandes investimentos, como a implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), estruturas para reservação de água ou empreendimentos do setor de informação, muitas vezes enfrentam um longo e incerto processo de licenciamento. Isso desestimula o investidor e atrasa o desenvolvimento.
Apesar disso, temos observado avanços importantes. A própria Secretaria de Meio Ambiente tem atualizado sistemas, criado novas ferramentas e buscado dar mais agilidade aos processos. Mas ainda precisamos evoluir muito, e isso só será possível com uma atuação integrada entre setor produtivo e governo. Nosso objetivo é garantir entregas com mais eficiência e menor risco para quem investe.
Outro fator que agrava esse cenário é a mudança no ambiente de incentivos. Com a chegada do IVA e o fim já anunciado de instrumentos como os incentivos fiscais e o FCO, perderemos ferramentas que foram fundamentais até aqui para atrair investimentos. Isso reforça ainda mais a necessidade de segurança jurídica e agilidade na liberação de licenças, que passarão a ser diferenciais ainda mais decisivos na hora de escolher onde investir.
No campo fundiário, há entraves localizados, especialmente no nordeste do estado, mas tenho acompanhado de perto e sei que há progresso sendo feito. Já na área ambiental, a insegurança ainda é uma das maiores barreiras para novos empreendimentos. Precisamos enfrentar essa questão com seriedade, responsabilidade e senso de urgência.
Canal: A agregação de valor à produção agropecuária é fundamental para o desenvolvimento regional. Quais políticas públicas e incentivos seriam mais eficazes para atrair indústrias de transformação e fortalecer a verticalização do agro em Goiás?
Edwal: A agregação de valor é, sem dúvida, o que faz a diferença na economia de Goiás. Em 2000, o PIB do estado era de R$ 21,7 bilhões. Em 2024, saltamos para R$ 377 bilhões. É um crescimento extraordinário, mas manter esse avanço exige muito mais do que produção em volume — exige que continuemos agregando valor às nossas cadeias produtivas.
Estamos enfrentando, com seriedade, os desafios trazidos pela reforma tributária. A Adial segue firme na sua essência — defender os incentivos fiscais que nos ajudaram a chegar até aqui. Ao mesmo tempo, temos trabalhado incansavelmente para encontrar formas de mitigar os impactos negativos da transição. Não é simples, mas continuamos articulando, com responsabilidade, medidas de equilíbrio.
Também seguimos investindo na logística competitiva. Projetos como o Porto do Açu, a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) e outros modais em desenvolvimento são fundamentais para escoar nossos grãos, trazer insumos como fertilizantes e combustíveis sólidos, além de garantir o vai e vem dos biocombustíveis — que hoje voltam abastecidos com gasolina e diesel. Esses modais precisam de apoio institucional de todas as entidades goianas.
Outros pilares indispensáveis são a sanidade animal e vegetal, a energia elétrica de qualidade — que já destaquei anteriormente — e, transversalmente a tudo isso, três elementos-chave: inovação, tecnologia e educação. Esses fatores precisam caminhar juntos. Em parceria com o governo, temos investido bastante por meio do Protege, apoiando escolas técnicas e as chamadas “Escolas do Futuro”. É uma aposta no desenvolvimento humano, na capacitação e na base que sustenta qualquer avanço econômico: a formação das pessoas.
Goiás tem características únicas que nos colocam em vantagem estratégica. Não dividimos fronteira com nenhum país nem com o mar, o que facilita nossa blindagem sanitária. Além disso, há um cuidado efetivo com os povos originários e comunidades tradicionais, com investimentos importantes também por meio do Protege. Grande parte da nossa produção agrícola ocorre por meio do plantio direto, com preservação de nascentes, rios e respeito às normas ambientais e sociais. E estamos sempre atentos a evoluir, principalmente no combate a práticas irregulares, como o trabalho análogo à escravidão.
Precisamos agora comunicar tudo isso com mais força. O mundo precisa saber que o Brasil é mais do que Amazônia, futebol e carnaval — temos o Cerrado, que ainda preserva 52,2% de sua vegetação nativa. Em Goiás, 30% do território é ocupado por pastagens, e apenas 12% por grãos, oleaginosas e cana-de-açúcar. Estamos transformando áreas degradadas em lavouras produtivas, sequestrando carbono e gerando valor — com biomassa, raízes, matéria orgânica e produtividade sustentável.
É disso que se trata o futuro: produzir alimentos e biocombustíveis com qualidade, acessibilidade e compromisso climático. Gerar empregos na indústria, abastecer mercados e contribuir para o combate às mudanças climáticas. E, para isso, precisamos comunicar bem, em conjunto — governo e entidades — que Goiás está na vanguarda da produção sustentável no Brasil. (Cejane Pupulin- Canal)