O governo brasileiro enviou na segunda-feira (18) uma resposta oficial de 91 páginas ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), que acusa o país de adotar práticas “desleais” que prejudicariam empresas americanas. O documento, assinado pelo chanceler Mauro Vieira, nega qualquer medida discriminatória e questiona a legitimidade da investigação aberta por ordem do presidente Donald Trump.
Na manifestação, o Brasil pediu que Washington “repense” a decisão de investigar e alertou que eventuais medidas unilaterais, previstas na chamada Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, podem desestabilizar o sistema multilateral e afetar as relações bilaterais.
O caso
A apuração foi iniciada em julho, poucos dias após Trump anunciar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, em vigor desde 6 de agosto. Segundo o presidente americano, a medida seria uma retaliação a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a políticas consideradas prejudiciais a companhias dos EUA. O processo ainda pode resultar em novas barreiras tarifárias.
O alvo da investigação envolve setores como pagamentos digitais, acesso ao mercado de etanol, pirataria, desmatamento e aplicação de leis anticorrupção.
Etanol e meio ambiente
Em relação ao etanol, destacou que as tarifas brasileiras estão abaixo do limite de 35% permitido pela OMC, enquanto os EUA impõem uma alíquota mais alta ao produto brasileiro. O documento ainda lembrou que aeronaves americanas entram no Brasil com tarifa zero. O governo brasileiro argumentou ainda que a cooperação entre os dois países para alcançar outros mercados com seus biocombustíveis é mais adequada para “atingir os objetivos delineados pelos Estados Unidos” do que “quaisquer medidas corretivas que possam resultar da investigação da Seção 301”. E cita como exemplo a cooperação técnica bilateral em biocombustíveis firmada em 2007 para expandir o acesso ao mercado em terceiros países.
Sobre desmatamento, o país sustentou que suas políticas ambientais não criam barreiras comerciais nem discriminam empresas estrangeiras.
Etanol brasileiro x Etanol americano: quais as diferenças?
Embora ambos sejam usados como biocombustíveis, o etanol produzido no Brasil e nos Estados Unidos tem origens e impactos bem diferentes. A principal distinção está na matéria-prima e na eficiência de cada processo.
No Brasil, a maior produção é de etanol é feito a partir da cana-de-açúcar, que apresenta alta produtividade e um balanço energético considerado modelo mundial. Para cada unidade de energia utilizada na produção, retornam de 8 a 10 unidades, além da vantagem de emitir até 90% menos CO₂ em comparação à gasolina. Outro diferencial é o aproveitamento do bagaço da cana, usado para gerar bioeletricidade e abastecer parte do sistema elétrico nacional. O resultado é um combustível mais limpo, eficiente e de menor custo.
Já nos Estados Unidos, a base é o milho. Nesse caso, a eficiência é bem menor: o retorno energético gira entre 1,5 e 2 unidades para cada 1 utilizada na produção. As reduções de emissões também são mais modestas — entre 30% e 40% em relação à gasolina. Apesar disso, o etanol de milho é peça-chave na política agrícola americana, pois garante escoamento da supersafra e estabilidade de renda para produtores do Meio-Oeste. O modelo se mantém viável graças a subsídios governamentais.
Etanol de milho: diferenças entre Brasil e Estados Unidos
O etanol de milho produzido no Brasil e nos Estados Unidos segue lógicas distintas de mercado e de sustentabilidade. No Brasil, a produção está concentrada principalmente no Centro-Oeste e costuma ser feita em usinas flex, que aproveitam tanto a cana-de-açúcar quanto o milho. Esse modelo dá eficiência ao setor, pois utiliza a mesma infraestrutura já existente para a cana e garante operação contínua na entressafra. Outro diferencial é a matriz energética: muitas usinas brasileiras usam bagaço de cana ou biomassa para alimentar os processos industriais, o que reduz as emissões de gases de efeito estufa. Além do biocombustível, a produção gera DDG, um subproduto rico em proteína destinado à ração animal, valorizado pelo agronegócio.
Nos Estados Unidos, por outro lado, a produção é altamente concentrada em plantas dedicadas exclusivamente ao milho e em escala muito maior. O modelo é viável graças a fortes subsídios governamentais, que sustentam a competitividade mesmo diante de custos mais altos. Outro ponto de contraste está na matriz energética: grande parte das usinas americanas depende de carvão e gás natural, o que aumenta a pegada ambiental.
Em termos de impacto, o etanol de milho brasileiro apresenta melhor balanço energético e menor emissão de carbono, enquanto o americano se destaca pelo volume de produção e pelo peso estratégico dentro da política agrícola dos Estados Unidos.
“A densidade de carbono é muito menor no etanol de milho brasileiro, porque ele é produzido a partir de segunda safra, então há uma pegada de carbono menor. Os EUA fazem a geração do etanol por meio do vapor de gás e no Brasil ele é feito a partir de cavaco de madeira do eucalipto.” , afirmaGuilherme Nolasco, presidente da UNEM
Outros pontos : Pix , Redes Sociais e STF
O Pix, sistema de transferências instantâneas criado pelo Banco Central, foi um dos pontos mais atacados pelos EUA. Empresas como Visa, Mastercard, Apple Pay e Google Pay, que dominavam o mercado de pagamentos eletrônicos, teriam perdido espaço no Brasil após a adoção da tecnologia. O Itamaraty rebateu a acusação afirmando que o Pix não discrimina companhias estrangeiras, mas aumenta a competição, inclusive com ampla participação de empresas americanas. Como exemplo, citou que o Google Pay se tornou o maior iniciador de pagamentos via Pix, processando 1,5 milhão de operações no último mês. O governo também lembrou que iniciativas semelhantes existem em outros países, como o FedNow, lançado recentemente pelo Federal Reserve nos EUA.
Outro ponto de atrito diz respeito a ordens judiciais brasileiras contra plataformas de redes sociais. O governo americano alega que essas decisões prejudicam empresas de tecnologia dos EUA. O Brasil contestou, dizendo que a legislação é aplicada a todas as companhias, nacionais ou estrangeiras, e que o STF apenas definiu parâmetros mínimos para a responsabilização das plataformas. Segundo o Itamaraty, medidas de bloqueio ou multas seguem padrões semelhantes aos usados nos EUA, onde órgãos como o FBI também emitem ordens judiciais sigilosas quando necessário.
Crítica à Seção 301
Na conclusão, o Brasil afirmou que a Seção 301, usada como base para a investigação, é um “instrumento unilateral” incompatível com as regras multilaterais de comércio. O governo ressaltou que, ao contrário das alegações de prejuízo, os EUA registram superávit crescente na balança comercial com o Brasil.
Segundo o Itamaraty, a resposta comprova que as políticas nacionais investigadas são transparentes, não discriminatórias e compatíveis com os compromissos internacionais assumidos pelo país.
Canal-Jornal da Bioenergia