O Brasil está sentado sobre um tesouro energético que, por enquanto, segue subaproveitado: cerca de 100 milhões de hectares de pastagens degradadas espalhadas pelo território nacional. Um levantamento conduzido pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), do CNPEM, mostra que parte dessas áreas poderia ser convertida em lavouras de cana, milho e soja destinadas exclusivamente à produção de bioenergia — e sem ampliar a pressão sobre biomas sensíveis.
De acordo com os pesquisadores, pouco mais de um terço dessas terras — cerca de 36 milhões de hectares — teria condições ideais para o cultivo energético. Essa conversão seria capaz de gerar aproximadamente 6,8 exajoules de energia por ano, volume equivalente à produção total de energia renovável do planeta atualmente. Em muitas regiões, o impacto ambiental seria neutro ou até positivo, graças ao sequestro de carbono promovido pela recuperação do solo.
A análise foi apresentada por Mário Murakami, diretor do LNBR, durante debate sobre bioeconomia realizado em paralelo à COP30, em Belém. Ele destaca que a estimativa foi construída a partir de imagens de satélite de alta resolução e filtros rigorosos para excluir áreas de preservação, regiões próximas a florestas nativas, nascentes e zonas de transição sensíveis, como o encontro entre Cerrado e Amazônia.
Segundo Murakami, a expansão em terras já degradadas permitiria multiplicar por três a produção brasileira de bioenergia sem abrir novas fronteiras agrícolas. E mais: ainda manteria mais de 60 milhões de hectares reservados para projetos de reflorestamento.
O Brasil, reforça o pesquisador, ocupa posição única no cenário global. Enquanto boa parte do mundo ainda depende de combustíveis fósseis para gerar energia elétrica, mais de 90% da matriz brasileira é renovável. Isso coloca o país à frente na corrida pela produção de hidrogênio de baixo carbono e de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF).
Outro trunfo nacional é a abundância de biomassa lignocelulósica já disponível na indústria — mais de 200 milhões de toneladas ao ano, prontas para conversão em combustíveis, insumos químicos, ração, cosméticos e uma série de moléculas hoje derivadas do petróleo. Esse volume, aliado ao custo competitivo, torna o país praticamente imbatível no campo da bioeconomia.
Os desafios, porém, persistem. As tecnologias usadas para quebrar a celulose da biomassa — etapa essencial para produzir biocombustíveis avançados — ainda dependem majoritariamente de soluções importadas. Por isso, o LNBR tem investido em pesquisas que aproveitam a biodiversidade brasileira para desenvolver enzimas e processos industriais nacionais. O avanço mais recente veio com a descoberta de um novo filo bacteriano em solos cobertos por bagaço de cana. A enzima identificada pelos pesquisadores, estudada com apoio da luz síncrotron, mostrou desempenho 20% superior ao de catalisadores usados hoje na indústria, abrindo caminho para processos mais eficientes.
A tecnologia já integra uma plataforma mantida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e está disponível para novos desenvolvimentos em parceria com centros de pesquisa e empresas.
Para Murakami, a combinação de biodiversidade, biomassa abundante, energia limpa e cadeia sucroenergética consolidada coloca o Brasil em posição estratégica num mundo que busca acelerar a transição energética. “Poucos países têm o que o Brasil tem hoje. Se soubermos usar as ferramentas certas, vamos liderar a bioeconomia global”, afirmou.
Canal-Jornal da Bioenergia com dados da Agência Fapesp
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