Análise do Agronegócio – Professor Marcos Fava Neves

Print Friendly, PDF & Email

Às vezes neste nosso espaço mensal de discussão temos 30 dias onde as variáveis não deram muito trabalho. Não é o caso de agosto… Crescimento menor, EUA x China, Argentina, Amazônia, acordo com Suíça, petróleo, câmbio e preços… Muita coisa…

No cenário internacional deste agosto, destaca-se novamente a guerra comercial EUA x China. Mais US$ 300 bilhões em bens importados da China poderão ser taxados pelos EUA em 10%, o que levou o Governo Chinês a desvalorizar sua moeda no início do mês. O problema deve continuar, lembrando que 2020 é ano eleitoral nos EUA e o tema agrada parte dos eleitores de Trump, apesar da perda de popularidade junto aos produtores rurais que este vem tendo. Nós ganhamos nas exportações, mas perdemos na redução esperada da taxa de crescimento da economia mundial, e com a maior insegurança e riscos (flutuações) nos preços do petróleo.

De acordo com estudo da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), o problema EUA x China elevará as exportações de commodities do Brasil, pois as tarifas colocadas sobre as exportações dos EUA, trazem deslocamento de mercados para nós. No auge da nossa crise ambiental, em 23 de agosto, a China impôs tarifas retaliatórias em US$ 75 bilhões de exportações dos EUA, para as carnes, soja e algodão, abrindo mais espaço para a produção brasileira. Foi um alento “no meio do fogo”.

Boa notícia foi o anúncio de um acordo entre Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA – Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein), favorável ao Mercosul no agro. Para a Suíça, zeram tarifas em café torrado, etanol, suco de laranja, frutas (melões, bananas, uvas frescas), vinhos e outros produtos. Há abertura de cotas para as carnes e outros produtos. Poderão exportar para nós mais chocolates, biscoitos, queijos, cafés, confeitarias, entre outros. Temos também boas chances de acordo com Singapura e Coreia do Sul. No caso do acordo Mercosul x União Europeia, a França segue liderando esforços para atrasar usando todo tipo de argumento, e mais ainda agora o ambiental.  Segue apoiada pelos outros países protecionistas da Europa.  O anúncio deste acordo foi outra sorte “no meio do fogo”.

Na economia brasileira, a respeito do problema ambiental e das questões polêmicas na Presidência, foi um alívio a aprovação da reforma da previdência na Câmara e a rapidez com a qual tramita no Senado e também pelo caminhar da reforma tributária. O protagonismo atual do Legislativo me encanta e dá força à nossa Democracia, que assim seja, pautando as reformas necessárias. As novas previsões do Boletim Focus para nossa economia trazem a taxa Selic em 5,0% no final deste ano e 5,25% no final de 2020, o IPCA em 3,61% neste dezembro e 3,82% em dezembro de 2020, o PIB cresce 0,80% neste ano e 2,10% em 2020, e finalmente o câmbio fica em R$ 3,80 em dezembro deste ano e R$ 3,81 em dezembro de 2020. Analistas acreditam que ele recua dos atuais R$ 4,14 para R$ 3,80 e estou com eles.

A má notícia ao Brasil e ao mundo foram as eleições primárias na Argentina, que desvalorizam fortemente o Peso, derrubaram a Bolsa aqui e lá e interferiram também no Real, apesar de que em outros tempos esta interferência seria maior. Analistas dizem ser difícil reverter este resultado e devemos ter a volta do populismo de esquerda. Com isto acontecendo, pode ser que os acordos comerciais com a União Europeia e EUA fiquem mais complicados. É impressionante como a população se encanta com este modelo econômico, sem saber que a conta aparece mais adiante. A confiança na Argentina desabou e o Governo teve outra vez que voltar ao FMI e, como é um grande parceiro comercial do Brasil, é uma grande má notícia deste mês.

No lado interno produtivo, as notícias são muito boas. Vem safra recorde (CONAB), pois a estimativa de agosto ficou 3% maior, sendo que no milho quase alcançaremos 100 milhões de toneladas, 23% a mais que a safra passada. Na soja serão 115 milhões, 3,5% a menos. Se não fosse a seca de janeiro, teríamos um número mais espetacular ainda.  Agora a safra é estimada em 241,35 milhões de toneladas. A área cresceu 2% e a produtividade em 6%, principalmente puxado pelo milho. Na soja devemos exportar 70 milhões de toneladas, aumentando em 2 milhões a última projeção pelo aumento na temperatura do conflito China x EUA. Ano passado vendemos 83,3 milhões de toneladas. No milho estimam 34,5 milhões de toneladas a serem exportadas, 3% acima.

As compras de soja de julho da China surpreenderam o mercado, sendo as maiores no ano. O Brasil vem satisfazendo esta demanda, mas os nossos estoques vêm caindo.  A preocupação dos produtores dos EUA é que no início de setembro começa a colheita e a situação é crítica. Aqui os preços subiram e com este câmbio, eu travaria uma parte da minha produção, principalmente para garantir os custos.

Esta mega safra chega em excelente hora para ajudar a economia brasileira. A nova estimativa do MAPA para o valor bruto da produção de 2019 é de R$ 603,4 bilhões. A agricultura terá R$ 399 bilhões e a pecuária R$ 204,4 bilhões. As culturas que estão ajudando são, com os consequentes aumentos: amendoim (14,3%), algodão (16%), milho (22,9%), feijão (64,9%), cacau (1,9%), laranja (8,1%), mamona (34,9%), tomate (19,6%), banana (20%) e trigo (8,2%). Nas carnes temos crescimento no frango (13,4%), suínos (9,3%), e bovinos (1,3%).

Outra boa notícia é que a partir de setembro passa a valer a mistura de 11% de biodiesel ao diesel consumido no Brasil. A Ubrabio estima que com isto, a produção brasileira chegará a 6 bilhões de litros. A meta é de adicionar 1% ao ano, até atingir 15% em 2023.  Segundo a Associação, desde que o programa de biodiesel no Brasil iniciou em 2005, a substituição evitou a emissão de 70 milhões de toneladas de CO2. Estimam também que para atingir o B15 precisaremos de mais 12 unidades industriais, gerando empregos e renda além de investimentos de mais de R$ 1,2 bilhão.  Precisaremos de cerca de 15 milhões de toneladas de soja adicionais, também gerando investimentos estimados em R$ 3,8 bilhões.

Não bastasse toda esta agenda, tivemos o “tsunami ambiental”, com o aumento dos incêndios em agosto (é o maior número para o mês em nove anos) e a gigantesca projeção mundial deste assunto, prejudicando nossa imagem tão dificilmente conquistada na área ambiental. Criminosos que precisam ser fortemente combatidos, mas também espantou muito a reação quase que frenética que tivemos em parte de artistas, políticos mundiais e parte da imprensa. Parecia que a Amazônia estava toda em chamas, e que em um mês nada mais existiria lá, queimando cangurus, girafas, com uso de fotos de gente que morreu havia dez anos como se fosse foto do dia, entre outros absurdos.

Dia 23 de agosto foi o mais crítico.  Fiz um vídeo de nove minutos em inglês explicando os fatos com o que tinha em mãos naquele momento, e este rodou o mundo, recebi diversos agradecimentos vindos do exterior, além das inúmeras agressões recebidas daqueles que não têm argumentos e atacam as pessoas. Pedi confiança à nossa sociedade, que teríamos condições de resolver. Deu certo, tivemos a sensibilização do Governo, uma fala presidencial à noite mostrando as medidas e o Exército assumindo, além do retorno do diálogo e adequada governança com os Governadores da região.

A Amazônia é um tema muito delicado no mundo. Em mais de 25 anos fazendo palestras fora do Brasil, posso atestar isto. Temos que tomar muito cuidado e realmente ter ações estruturantes de preservação daquela região. O fato é que a reação do Governo foi tardia, porém está em andamento e precisamos torcer para que apresente bons resultados, mas não apenas em curto prazo. A Amazônia tem que ser exemplo mundial de preservação e sustentabilidade nas áreas econômica, ambiental e social para as 20 milhões de pessoas que lá vivem, para o Brasil usufruir de seus recursos e para o mundo manter este patrimônio.

Acabei guardando muito material destes 15 dias de intensa crise para usar e estudar. Artigos e notícias do comportamento de parte da imprensa incendiária no Brasil e no mundo, de declarações de nossos líderes obcecados com o tema de embargos às exportações brasileiras, de empresas internacionais e líderes de países com comportamento oportunista (internacionalização da Amazônia), de competidores internacionais do Brasil e ambientalistas radicais com o irresponsável gesto de associar queimadas na floresta com a nossa produção e exportação de alimentos, entre outros. Parte da imprensa nacional e internacional escorregou feio, inclusive a respeitosa revista The Economist, com manchetes absurdas, calamitosas, ajudando a piorar a situação.

Além disto, outras pérolas foram publicadas em grandes jornais mundiais, também guardadas. Uma recomendava parar o consumo de carne bovina para evitar a “destruição da floresta”. Observei muito desconhecimento nas propostas feitas, pois apenas neste caso, existe grande possibilidade de crescimento da produção de carne bovina no mundo, principalmente no Brasil, com uso de mais tecnologia e sem derrubar uma árvore sequer. Temos bonitos modelos de integração pecuária, lavoura e floresta (ILPF) e sistemas que permitam se produzir muito mais com menos recursos como área, emissões e outros. Em 30 anos a área de pastos no Brasil caiu mais de 15%, estando próxima a 160 milhões de hectares, e a produção de carne bovina mais do que dobrou. Podemos aumentar muito de forma sustentável, com empresários responsáveis e ligados aos temas mundiais.

Foi um mês de intenso trabalho, respondi a tudo que pude, em inglês, nas mídias sociais. Mas o volume de absurdos superou a minha capacidade. Mostra que a produção de alimentos no Brasil tem um grande desafio pela frente, a comunicação em todas as suas frentes. Foi muito lenta também a reação do setor privado a esta crise.

Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente em setembro são:

1) O mais importante: o andamento do clima na safra dos EUA e as estimativas de produção;

2) A estimativas de importações de carnes vindas da China com os impactos da evolução da peste suína africana;

3) As questões comerciais de China e EUA e o aumento das quantidades com tarifas;

4) O andamento das reformas da previdência e outras e a gestão das crises criadas pela política;

5) Evoluções do combate ao fogo na Amazônia e as reações internacionais e o clima no Brasil neste início de plantio.

Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Divulgação

Veja Também

Opinião/ Programa Mover: como a regulamentação pode impulsionar a inovação no Brasil?

Por Andressa Melo Nosso país é um solo extremamente fértil para a inovação, com muitas …