*Laercio Aniceto Silva
A realização da COP 30 em Belém marcou um momento decisivo e estratégico para a evolução do debate sobre sustentabilidade e transição energética no Brasil. A conferência evidenciou que o tema deixou de ser um assunto técnico e exclusivo de especialistas para tornar-se pauta obrigatória em qualquer discussão sobre desenvolvimento sustentável, segurança energética e competitividade econômica. Apresentando modelos de soluções que podem transformar o potencial verde nacional em resultados econômicos e ambientais sustentáveis, o país reafirmou sua posição singular nesse cenário ao contar com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, mas ainda enfrentar desafios estruturais que exigem investimento, planejamento e coordenação entre setores.
A transição energética é mais do que a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis. Ela é uma transformação sistêmica, que abrange a forma como geramos, distribuímos e consumimos energia. É um movimento baseado no chamado ‘4Ds’: Descarbonização, Digitalização, Descentralização e Democratização da energia.
No Brasil, esse processo ocorre sobre uma base privilegiada. Segundo o Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional 2025 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 88,2% da matriz elétrica nacional é composta por fontes renováveis, colocando o país na liderança entre os membros do G20. Hidrelétricas ainda são protagonistas, mas a expansão de fontes como solar e eólica começa a redesenhar o cenário. Projeções do Plano de Operação Energética publicado recentemente pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) apontam que, até 2029, essas duas fontes representarão 55% da capacidade instalada no país.
Essa diversidade energética, aliada a um potencial técnico, com vastas áreas eólicas no Nordeste e alta incidência solar em praticamente todo o território, posiciona o Brasil como um protagonista natural na nova ordem energética global. Dados do Balanço Energético Nacional (BEN) de 2025, publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mostram que a energia gerada pelo vento (eólica) e pelo sol (solar) representam 23,7% de participação na geração total de eletricidade do país, em 2024. No entanto, mesmo com esse diferencial significativo, o caminho ainda demanda esforço e planejamento estruturado. A dependência de termelétricas fósseis em períodos de escassez hídrica, as limitações na infraestrutura de transmissão e a necessidade crescente de energia impõem barreiras relevantes.
Segundo a projeção elaborada pela EPE e coordenada pelo Ministério de Minas e Energia, a demanda energética deverá crescer em média 2,1% ao ano até 2034. Suprir essa expansão exigirá mais do que investimento em novas usinas, como também redes modernas, armazenamento eficiente, integração regional e políticas públicas robustas.
A mobilidade elétrica é um exemplo claro da interdependência entre inovação tecnológica e infraestrutura. A falta de pontos de recarga limita o avanço dos veículos elétricos no país. De extrema importância para a pauta da descarbonização, o segmento pode perder tração caso não se estabeleça um planejamento integrado entre os setores de energia, transporte e urbanismo.
Outro eixo essencial é o fortalecimento das cadeias produtivas nacionais. Neste sentido, o país precisa ir além de importar equipamentos. A produção local de painéis solares, turbinas, baterias e sistemas de controle certamente iria gerar emprego, atrair investimento e conferir maior autonomia tecnológica ao setor energético. No caso das baterias, por exemplo, a presença de minerais estratégicos abre a oportunidade para inserir o Brasil em uma cadeia global de alto valor.
A qualificação da força de trabalho também precisa acompanhar esse ritmo. As novas tecnologias exigem profissionais preparados para operar, instalar e manter sistemas inteligentes e descentralizados. A formação técnica, em parceria com universidades e empresas, será fundamental para transformar potencial em capacidade produtiva real.
Neste contexto, o Brasil tem a oportunidade de exercer uma liderança global na área, reforçando a relevância de projetos de hidrogênio verde, bioenergia e exportação de energia limpa que já estão em curso. Para o país assumir o protagonismo é preciso reconhecer a transição energética como um desafio para além do setor elétrico, uma questão que dialoga com a agenda climática, o desenvolvimento regional, o uso do solo e as novas economias sustentáveis. Avançar na direção de nos tornarmos ainda mais relevantes para a solução energética do planeta exige uma visão de longo prazo, que possibilite integrar políticas públicas, inovação, inclusão social e uso racional dos recursos naturais com planejamento estratégico e ações coordenadas.
*Laercio Aniceto Silva, superintendente de negócios da Fundação CERTI
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