Nova espécie de cigarrinha-da-cana é identificada e pode mudar estratégias de controle nas lavouras

Uma descoberta recente feita por pesquisadores brasileiros pode trazer mudanças importantes no controle de pragas que afetam a cana-de-açúcar. Cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) descreveram uma nova espécie de cigarrinha-da-cana, batizada de Mahanarva diakantha. O estudo, apoiado pela FAPESP, foi publicado no Bulletin of Entomological Research.

A espécie vinha sendo confundida com outras muito semelhantes, como Mahanarva fimbriolata e Mahanarva spectabilis. Essa confusão pode explicar, em parte, por que alguns inseticidas tradicionais têm falhado no controle da praga em áreas produtoras do Sul e Sudeste do Brasil.

Segundo o professor Diogo Cavalcanti Cabral-de-Mello, da Unesp de Rio Claro, a identificação surgiu de um cruzamento de análises morfológicas, genéticas e citogenéticas. “A diferença genética era sutil, mas a anatomia do macho trazia uma característica marcante: uma estrutura bifurcada na genitália, que inspirou o nome diakantha, que em grego significa ‘dois espinhos’”, explica.

A pesquisa começou em 2015, quando o professor Gervásio Silva Carvalho, da PUC-RS, recebeu exemplares de cigarrinhas que não respondiam ao inseticida usado normalmente pelos produtores. Ao analisar a morfologia dos insetos, percebeu traços diferentes dos conhecidos. Paralelamente, Cabral-de-Mello observava variações genéticas em amostras semelhantes. Quando os dois grupos descobriram que trabalhavam com os mesmos exemplares, uniram forças — e confirmaram se tratar de uma nova espécie.

A cientista Andressa Paladini, atualmente professora da UFPR e primeira autora do estudo, conta que o grupo utilizou ainda a morfometria geométrica, uma técnica que compara formas anatômicas com base em dados estatísticos. “A análise das asas mostrou diferenças consistentes entre as espécies, reforçando a descoberta”, diz.

A presença de espécies “crípticas” — quase idênticas visualmente, mas distintas geneticamente — é um desafio constante na entomologia. No caso da cana-de-açúcar, essa distinção é estratégica: a nova espécie pode ter ciclo de vida, comportamento e resistência a inseticidas diferentes, o que muda completamente as formas de manejo da praga e o impacto econômico sobre a lavoura.

Os pesquisadores também encontraram exemplares da M. diakantha em coleções científicas datadas da década de 1960, identificados erroneamente como outras espécies. O achado mostra que o inseto já circulava há décadas nas lavouras brasileiras, sem que fosse reconhecido.

Com a descrição oficial da nova espécie, os cientistas pretendem agora ampliar o mapeamento de sua ocorrência no país e entender melhor sua biologia e genética. “Agora que sabemos que é uma espécie diferente, abre-se uma série de novas possibilidades de pesquisa e de manejo”, afirma Paladini.

A descoberta reforça a importância da integração entre taxonomia clássica e biologia molecular — e mostra que, mesmo em um país megadiverso como o Brasil, ainda há muito a ser revelado sobre os pequenos habitantes que moldam os grandes negócios do agronegócio.  O artigo científico pode ser lido em: https://doi.org/10.1017/S0007485325100503.

Canal-Jornal da Bioenergia com dados da Agência Fapesp

 

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