ABSOLAR destaca desafios e oportunidades para o avanço da energia solar no Brasil

A entrevista com Talita Porto, diretora técnico-regulatória da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), ao Canal Bioenergia abordou diversos aspectos do avanço da energia solar no Brasil. Talita destacou a importância da ABSOLAR na promoção da energia solar fotovoltaica e outras tecnologias limpas, como o armazenamento de energia elétrica e hidrogênio verde. A energia solar já representa 22,2% da matriz elétrica brasileira, com mais de 55 GW instalados até março de 2025. No entanto, o setor ainda enfrenta desafios regulatórios e fiscais que dificultam sua expansão. A ABSOLAR continua trabalhando ativamente com autoridades para superar obstáculos e promover a transição energética sustentável.

Canal – Jornal da Bioenergia: Qual é o papel da ABSOLAR na promoção da energia solar no Brasil?

Talita Porto: Fundada em 2013, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR) é a principal entidade no Brasil que reúne todos os elos da cadeia de valor da energia solar fotovoltaica, além de outras tecnologias limpas, como o armazenamento de energia elétrica e o hidrogênio verde. Com associados de diversos portes e origens, tanto nacionais quanto internacionais, a ABSOLAR se consolidou como uma referência em informação e articulação, trabalhando ativamente pela promoção da transição energética sustentável no país.

Canal – Qual é o ⁠panorama atual da energia solar no Brasil?

Talita – Em março de 2025, a energia solar alcançou a marca de 55 gigawatts (GW) de potência instalada e operacional no Brasil, conforme relatório da ABSOLAR. Desde 2012, o setor fotovoltaico atraiu mais de R$ 251,1 bilhões em novos investimentos, gerou mais de 1,6 milhão de empregos verdes e contribuiu com mais de R$ 78 bilhões para a arrecadação pública.

O balanço considera tanto a geração distribuída por pequenos e médios sistemas (com 37,4 GW) quanto as grandes usinas solares (com 17,6 GW) instaladas em diversas regiões do país. Com isso, a energia solar evitou a emissão de cerca de 66,6 milhões de toneladas de CO2 na produção de eletricidade, reforçando sua contribuição para a transição energética no Brasil. Atualmente, a fonte solar representa 22,2% de toda a capacidade instalada na matriz elétrica brasileira, consolidando-se como a segunda maior fonte da matriz.

Canal – Quais são os principais desafios enfrentados hoje pelas empresas e profissionais da área?

Talita – Apesar do expressivo crescimento alcançado na última década, o setor de energia solar tem enfrentado desafios significativos que dificultam a aceleração da transição energética sustentável no Brasil. Entre os principais obstáculos identificados pela ABSOLAR estão os cortes na geração de energia renovável, sem o devido ressarcimento aos empreendedores afetados, e as dificuldades de conexão de pequenos sistemas de geração própria solar.

O avanço da energia solar reflete tanto o alto potencial dessa fonte no Brasil quanto a resiliência do mercado ao enfrentar esses desafios ao longo dos anos. Embora o crescimento da energia solar já desempenhe um papel de destaque na matriz elétrica brasileira, o setor poderia contribuir ainda mais para o País, caso não houvesse esses entraves, que exigem grande capacidade de adaptação e perseverança das empresas e profissionais envolvidos.

A ABSOLAR continua sua atuação incansável junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além das autoridades do setor elétrico, da agência reguladora e das distribuidoras de energia elétrica, com o objetivo de construir soluções eficazes para os principais desafios enfrentados pelo setor solar fotovoltaico.

Canal – Qual tem sido o impacto das políticas públicas e incentivos fiscais no avanço da energia solar?

Talita – Nas últimas décadas, o Brasil tem avançado de forma significativa em sua busca por ampliar seu protagonismo global na transição energética. No entanto, ainda existem desafios consideráveis no horizonte, especialmente nas áreas legal, regulatória e tributária. Para superar essas barreiras, a ABSOLAR segue trabalhando incansavelmente nas principais prioridades do setor fotovoltaico brasileiro, além de se dedicar à estruturação e ao desenvolvimento de novos segmentos emergentes, como o armazenamento de energia elétrica, o aumento do consumo por meio da produção de hidrogênio verde, datacenters e a aplicação da inteligência artificial no setor.

Canal Quais são as tendências tecnológicas que devem transformar o setor nos próximos anos?

Talita – Como mencionado anteriormente, há inúmeras oportunidades em novas tecnologias, como armazenamento de energia elétrica, datacenters, inteligência artificial e hidrogênio verde, nas quais o Brasil tem o potencial de se tornar um grande protagonista. Para isso, é fundamental construir um ambiente de negócios favorável, que atraia investimentos, empresas e gere empregos verdes.

Canal – Como o Brasil pode se posicionar no cenário global de energia solar?

Talita – O Brasil possui todas as condições para se consolidar como uma liderança global em energia solar. Com a implementação de boas políticas públicas, o País tem o potencial de avançar significativamente no uso dessa tecnologia, além de outras soluções correlatas, como armazenamento de energia, abastecimento de datacenters, inteligência artificial e hidrogênio verde. Para fortalecer o protagonismo da energia solar no Brasil e impulsionar a transição energética global, bem como a descarbonização das atividades econômicas, ainda existem desafios fiscais, tributários e regulatórios no ambiente interno, os quais serão detalhados a seguir.

Canal – O que esperar do mercado de energia solar distribuída e centralizada?

Talita – Nossas projeções indicam que, neste ano, os novos investimentos gerados pelo setor fotovoltaico poderão superar R$ 39,4 bilhões, englobando tanto as usinas de grande porte quanto os sistemas de pequeno e médio porte instalados em telhados, fachadas e terrenos.

A energia solar fotovoltaica deverá gerar mais de 396,5 mil novos empregos no próximo ano, distribuídos por todas as regiões do Brasil, além de proporcionar uma arrecadação adicional superior a R$ 13 bilhões aos cofres públicos.

De acordo com a projeção, até o final de 2025, serão adicionados mais de 13,2 gigawatts (GW) de potência instalada, alcançando um total acumulado superior a 64,7 GW — um crescimento de mais de 25,6% em relação à potência solar atual do País, que é de 51,5 GW.

Desses 64,7 GW acumulados até o final de 2025, 43 GW virão de sistemas de pequeno e médio porte instalados por consumidores em residências, pequenos negócios, propriedades rurais e prédios públicos, representando 66% do total. Já as grandes usinas solares corresponderão a 21,7 GW, ou 34% do total acumulado.

Canal – Como a inovação está impulsionando a eficiência e redução de custos no setor?

Talita – Analistas de mercado indicam que os preços dos painéis solares apresentaram uma queda significativa, de cerca de 50% no último ano, tornando a tecnologia mais acessível e atraente para consumidores brasileiros de diferentes perfis. Essas quedas contínuas de preço são resultado da inovação constante nos processos produtivos, especialmente nos países asiáticos, como a China, e da crescente competitividade entre os fabricantes globais.

Portanto, no Brasil, este é o momento ideal para investir em sistemas solares em residências, empresas e propriedades rurais. Além disso, ainda há um vasto potencial de crescimento para o uso da tecnologia fotovoltaica, já que o Brasil conta com aproximadamente 92,4 milhões de unidades consumidoras de energia elétrica no mercado cativo.

Canal – Como as mudanças regulatórias recentes podem impactar o crescimento do setor?

Talita: Para promover a sustentabilidade no estado, a ABSOLAR recomenda a criação e ampliação de programas, políticas e incentivos locais para impulsionar o avanço da energia solar. Entre as principais ações sugeridas estão a implementação de sistemas fotovoltaicos em prédios públicos, habitações de interesse social e programas de universalização do acesso à eletricidade.

Uma medida essencial para esse avanço é a aprovação do Projeto de Lei nº 624/2023, que institui o Programa Renda Básica Energética (REBE). Atualmente em tramitação no Senado Federal, esse projeto desempenha um papel crucial na geração distribuída solar, ao resolver de forma estrutural o problema das negativas de conexão emitidas pelas distribuidoras sob a justificativa de inversão de fluxo de potência. Essas recusas têm impedido milhares de consumidores – incluindo residenciais, pequenos negócios, produtores rurais e gestores públicos – de exercer o direito de gerar sua própria energia limpa e renovável, reduzindo significativamente suas contas de eletricidade.

O projeto atualiza a Lei nº 14.300/2022, que estabelece o marco legal da geração própria renovável, e exige que as distribuidoras justifiquem os impedimentos à conexão de sistemas de microgeração distribuída. Caso seja necessário reforço na infraestrutura elétrica para viabilizar essa conexão, a responsabilidade pelo investimento caberá à distribuidora, evitando o repasse desses custos ao consumidor.

Outra prioridade é o aprimoramento do cálculo dos benefícios e custos da geração distribuída (GD) pela ANEEL, conforme as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) na Resolução CNPE nº 002/2024. Essas diretrizes estão alinhadas à Lei nº 14.300/2022, garantindo que todos os benefícios da GD sejam corretamente identificados, quantificados e incorporados nas análises do setor.

De acordo com um estudo da consultoria Volt Robotics, a geração própria solar pode gerar uma economia líquida de mais de R$ 84,9 bilhões nas contas de luz de todos os consumidores brasileiros e reduzir em 5,3% a tarifa elétrica entre 2023 e 2030.

Na geração centralizada solar, também há desafios significativos. Um deles é o chamado “constrained-off”, que são cortes de geração determinados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), sem controle ou responsabilidade dos empreendedores, que, no entanto, não recebem o ressarcimento devido, conforme previsto em lei. Essa situação compromete a transição energética no Brasil, causa prejuízos bilionários e afasta investimentos sustentáveis.

Diante disso, é fundamental revisar os critérios estabelecidos pela ANEEL para os cortes de geração, assegurando isonomia nos ressarcimentos aos empreendedores, em conformidade com a legislação brasileira. A Lei nº 10.848/2004 e o Decreto nº 5.163/2004 garantem o direito à compensação integral dos cortes, algo que já ocorre há décadas com as termelétricas fósseis. A falta dessa isonomia coloca em risco contratos vigentes, gera insegurança regulatória e compromete a credibilidade do Brasil como destino para novos investimentos no setor, especialmente no ano em que o país sediará a COP 30.

Outro ponto essencial, com contribuição ativa da ABSOLAR e aguardado pelo setor, é a definição do cronograma de abertura do mercado para consumidores de baixa tensão.

Além disso, há uma necessidade urgente de um marco regulatório para o armazenamento de energia elétrica. A criação de uma legislação que estabeleça a figura do agente armazenador e sua regulamentação pela ANEEL é essencial para o setor solar fotovoltaico. Também é fundamental a realização do Leilão de Reserva de Capacidade para armazenamento, previsto pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para o segundo semestre de 2025. O uso de baterias, complementando a geração solar, representa uma solução eficaz para os problemas de inversão de fluxo e para a gestão da geração intermitente.

Um desafio adicional é a alta carga tributária sobre os sistemas de armazenamento por baterias, que atualmente supera 70% do preço final. A ABSOLAR tem atuado ativamente junto a órgãos governamentais e autoridades para reduzir as alíquotas dos impostos federais e incluir o armazenamento de energia em linhas de financiamento incentivadas.

Com avanços nesses aspectos legais, regulatórios e tributários, o Brasil dará passos decisivos para fortalecer seu protagonismo na transição energética, promovendo desenvolvimento social, econômico e ambiental. Isso impulsionará a atração de novos investimentos, a geração de empregos verdes e a sustentabilidade em todo o território nacional.

Canal – Como a energia solar pode se tornar ainda mais competitiva em relação a outras fontes?

Talita – A energia solar se consolidou como uma das fontes mais competitivas no Brasil, destacando-se cada vez mais no mercado de energia. O desempenho da tecnologia fotovoltaica nos leilões de energia realizados nos últimos anos é um reflexo claro dessa alta competitividade, evidenciada pela queda contínua nos preços médios de venda da eletricidade contratada. Desde 2019, a energia solar tem se posicionado como a alternativa mais vantajosa nos certames, alcançando um preço médio de R$ 84,39 por megawatt-hora (MWh) no leilão LEN A-6 daquele ano. No leilão LEN A-5 de 2022, a fonte solar manteve sua liderança, com um preço de R$ 171,41 por MWh, reafirmando sua competitividade em relação às demais fontes energéticas.

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