A ascensão vertiginosa da energia solar no Brasil, celebrada por sua sustentabilidade e potencial de economia, está revelando uma face oculta e preocupante. O crescimento desordenado e a falta de infraestrutura adequada têm gerado uma série de problemas, desde sobrecargas na rede elétrica com risco de apagões até a circulação de equipamentos de baixa qualidade. O cenário, em outubro de 2025, expõe a necessidade urgente de soluções para evitar que a promessa da energia limpa se transforme em uma fonte de instabilidade.
A rede no limite
Em setembro de 2025, a situação atingiu um ponto crítico. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) emitiu um alerta sobre o risco de sobrecarga nas linhas de transmissão em pelo menos 11 estados, com a maior incidência em uma faixa que se estende do Ceará ao norte de Minas Gerais. A origem do problema está no fluxo reverso de energia. Durante o pico de sol, entre 10h e 15h, a vasta quantidade de energia gerada por painéis fotovoltaicos em residências e pequenas usinas é injetada na rede, que não foi projetada para receber essa carga em alta concentração. A situação já levou a desligamentos preventivos e impõe um novo desafio às distribuidoras.
O Professor Marcos Lira, da Universidade Federal do Piauí, ressaltou recentemente em um evento sobre o tema: “A crescente adoção de energia renovável, como a solar e a eólica, é vista como uma excelente opção para reduzir custos e contribuir para a preservação ambiental. No entanto, a questão da sobrecarga precisa ser abordada com seriedade.”
Equipamentos sob suspeita
A qualidade dos equipamentos também se tornou um ponto de tensão. Em novembro de 2024, uma fiscalização do Inmetro em quatro estados revelou irregularidades em painéis solares importados. Um modelo, o Tessum 560 W, foi reprovado por entregar potência inferior à prometida, o que levou a uma investigação mais ampla. A prática, apelidada de “fake power”, prejudica o consumidor, que investe em uma economia que não se concretiza, além de minar a confiança no setor.
Impactos da regulação e custos
As mudanças regulatórias também contribuem para a incerteza do mercado. A Lei nº 14.300/2022, que altera as regras de compensação de créditos de energia, tem elevado os custos para novos projetos. A cobrança do “fio B” — o custo de uso da rede — para quem gera a própria energia subiu para 45% em 2025 e continuará aumentando, impactando o retorno do investimento para os novos adeptos da tecnologia.
Paralelamente, em novembro de 2024, o governo aumentou o imposto de importação sobre os módulos fotovoltaicos de 9,6% para 25%. A medida, que busca fomentar a indústria nacional, acabou por encarecer os equipamentos, elevando o custo final para o consumidor e, por consequência, desaquecendo parte dos novos investimentos.
O desafio do descarte
O ciclo de vida dos painéis solares, com uma durabilidade média de 25 a 30 anos, levanta uma questão ambiental crítica: o descarte de resíduos. Painéis fotovoltaicos são classificados como lixo eletrônico, e o Brasil ainda não tem um sistema de logística reversa eficiente para gerenciar esse volume crescente. A ausência de uma legislação específica e a insegurança jurídica sobre a responsabilidade do descarte dificultam o planejamento, ameaçando o meio ambiente com a contaminação por metais pesados presentes nos painéis. A energia solar continua a ser uma peça fundamental na transição energética brasileira, mas sua expansão desordenada exige uma abordagem urgente e coordenada. A estabilização da rede elétrica, a fiscalização rigorosa da qualidade dos equipamentos, uma regulação mais previsível e um plano concreto para a logística reversa são os próximos passos para que o sol, a fonte de energia renovável mais promissora do país, não ofusque seu próprio futuro.
Canal-Jornal da Bioenergia