Uma safra de retomada nas usinas

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Em uma sala apelidada de Pentágono, localizada em Piracicaba, no interior paulista, quarenta profissionais da Raízen controlam quase 400 colhedoras espalhadas pelos canaviais que abastecem as 24 usinas da empresa.

O Pentágono foi inaugurado há três meses, a tempo de testemunhar, pela primeira vez desde que o setor foi atingido pela crise, em 2008, uma colheita ser aberta com boa dose de otimismo. Um ânimo ainda cauteloso, mas fundamentado: a alta nos preços do etanol e do açúcar recuperou a rentabilidade das companhias.

As perspectivas para as vendas do combustível são favoráveis, assim como as de exportação de açúcar. Na Raízen, a maior empresa do setor sucrocooleiro, a projeção é encerrar a safra com uma moagem de até 64 milhões de toneladas de cana, uma alta de 2%. Na região Centro-Sul do país, que concentra 70% desse processo, espera-se um avanço de até 12% na produção de açúcar.

As vendas de etanol começaram a se recuperar no ano passado, depois que o governo elevou a tributação sobre seu principal concorrente, a gasolina, e deixou a Petrobras livre para reajustá-lo. Houve um salto de 37% nas vendas de álcool combustível, para um volume recorde de 17,9 bilhões de litros.

No caso do açúcar, o aumento das cotações começou nos meses finais de 2015, com a reversão do quadro de excesso de oferta no mundo. Por fim, a desvalorização do real diante do dólar reforçou a competitividade brasileira lá fora.

A recuperação beneficia toda a cadeia produtiva. Na fábrica de máquinas Zanini Renk, em Cravinhos, na região de Ribeirão Preto, o ritmo crescente de produção destoa da retração de um dos setores mais afetados pela recessão. As consultas de clientes para a aquisição de equipamentos subiram 15% em maio e outros 20% nos primeiros dias de junho.

A expectativa do presidente executivo da Zanini Renk, Mauro Cardoso, é que a receita com as vendas encerre o ano com um aumento real (acima da inflação) de 5% em relação a 2015. Para a siderúrgica russa NLMK, que produz chapas de aço para empresas do setor, as encomendas para o fim do ano, quando é realizada a manutenção de equipamentos, subiram 30%.

“Com a mudança de governo e a recuperação dos preços, as empresas começam a tirar projetos da gaveta”, Mauro Cardoso
“O setor está pronto para decolar”, afirma Alexandre Figliolino, sócio da consultoria MB Agro. Mas não será uma recuperação por igual, adverte ele. Para os grandes grupos, será a oportunidade de ampliar as margens e reduzir as dívidas, abrindo espaço para uma onda de aquisições a partir de 2017, com os mais fortes absorvendo os mais fracos. Quem investiu em eficiência está mais bem posicionado.

“Commodities operam em ciclos”, diz João Alberto de Abreu, vice-presidente da Raízen. “Por meio de boas práticas de gestão, excelência operacional, investimento em inovação e tecnologia, a empresa pode ter um negócio rentável mesmo nos momentos de depressão do mercado. Quando os preços sobem, a empresa se beneficia mais ainda”. No último ano, o lucro da companhia teve um salto de 78%.

“A crise tem um aspecto positivo: as empresas buscam aumentar a eficiência de maneira muito mais obsessiva”, analisa Jacyr Costa Filho, diretor para o Brasil da francesa Tereos, controladora do grupo Guarani. “Investimos também em novas variedades de cana, que rendem até 30% a mais de toneladas de açúcar por hectare”. Para outras usinas, será a oportunidade de recuperar o atraso.

De acordo com Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), é prematuro falar em retomada dos projetos de expansão. “É preciso que haja políticas de longo prazo”.

“Muitas empresas não fizeram a renovação adequada dos canaviais e da frota agrícola nem a manutenção do parque industrial. Agora é a hora de voltar a investir na própria operação”, Pádua Rodrigues
Segundo Figliolino, metade das empresas ainda enfrenta dificuldades financeiras. São companhias que entraram em crise com a decisão do governo de segurar o preço da gasolina a partir de 2010. Isso afetou a competitividade do etanol. No intervalo de três anos, a comercialização do combustível despencou 40%. A cotação do açúcar também passou a cair.

A reversão nos valores de comercialização encontrou empresas que haviam se endividado fortemente para fazer investimentos em expansão. É o caso da Odebrecht Agroindustrial, a terceira maior companhia do setor, cuja dívida é de 10,3 bilhões de reais. Desde 2008, 85 usinas fecharam as portas. Outras 71 entraram com pedido judicial, das quais 31 acabaram encerrando as atividades.

Boa parte dos lucros é escoada para o pagamento de juros – um quinto dos recursos teve esse destino na safra encerrada no ano passado. Para que o setor consolide a recuperação, será imprescindível reconquistar a credibilidade perante os investidores e os credores, e isso não ocorrerá sem que o governo assegure que não vai mais interferir de forma arbitrária.

“O investidor quer saber como o preço do combustível é formado, se há regras claras”, diz Arnaldo Corrêa, diretor da Archer Consulting. Essa é uma das razões pelas quais foi bem-vista a indicação de Pedro Parente para a presidência da Petrobras, depois de treze anos de nomeações políticas. Parente têm experiência no agronegócio, pois comandou a operação brasileira da Bunge, um gigante mundial do setor, entre 2010 e 2014.

Ocupou também cargos relevantes no setor público. Antes de tudo, prometem recuperar a lógica de mercado na administração da estatal. Esse deverá ser um primeiro e decisivo passo na retomada não apenas das usinas de cana, mas também da própria Petrobras. Revista Veja/20 de julho/2016

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