Entrevista | Erasmo Carlos Battistella

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Erasmo Carlos Battistella é presidente da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio) e vice-presidente de Promoção de Eventos da Associação Brasileira dos Produtores de Canola (Abrascanola). É membro da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Oleaginosas e Biodiesel; do Conselho da Competitividade – Energias Renováveis e do Comitê Externo da Embrapa Trigo.

Canal: É viável que o B10 e o B15 se tornem realidade no Brasil nos próximos anos?

Sim. Esses níveis de mistura de biodiesel por litro de diesel devem fazer parte de um marco regulatório, com regras claras, que transmitam ao mercado segurança jurídica e regulatória. Essa é uma reivindicação da Aprobio desde que a entidade foi fundada, ainda em 2011.

Ou seja, não queremos só aumento de mistura, mas a evolução planejada do mercado, com base em disponibilidade de matéria prima, sua diversificação para outras oleaginosas que não somente a soja, o incremento da gordura animal, que hoje já supera as 400 mil toneladas e do uso de óleo reciclado de cozinha, responsável já pela produção de mais de 30 milhões de litros do biocombustível.

O Senado Federal discute um projeto de lei que prevê o B10 para regiões metropolitanas com faixas específicas de população (acima de 200 mil, 300 mil, 400 mil e até 500 mil habitantes) numa escala para adoção de misturas maiores de biodiesel. São Paulo (SP) tem que introduzir em 2018, por força de lei municipal, combustíveis renováveis em toda a frota de transporte coletivo, muito embora a prefeitura não esteja demonstrando vontade política para tanto, ou seja, para cumprir a lei que ela mesma sancionou, ainda que em outra administração. Curitiba (PR) já o faz com muito sucesso, com ônibus movidos a B20 e até a B100, transportando milhares de passageiros por dia. O Rio de Janeiro (RJ) pediu à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) autorização para usar o B20 durante as Olimpíadas do próximo ano.

O aumento da presença de biodiesel, bem como de outros combustíveis de fontes renováveis, na matriz energética veicular do País é um movimento inexorável. A proposta brasileira de redução de gases de efeito estufa a ser debatida na Conferência do Clima das Nações Unidas em Paris, agora em dezembro, contempla o aumento do uso do etanol e do biodiesel. O Ministério do Meio Ambiente tem reiterado que sem isso não há como atingir as metas assumidas pelo Brasil na COP 15, em Copenhagen, em 2009.

Canal: Quais as vantagens caso isso aconteça?

Inúmeras. Para o meio ambiente, portanto, para a saúde das pessoas. Para a economia, com a redução da importação de diesel fóssil – assim, além de poluir menos, o País economiza recursos da balança comercial. E para a inclusão social de milhares de famílias de pequenos agricultores que fornecem matéria-prima para as usinas de biodiesel.

Canal: Quais as principais dificuldades que o setor enfrenta para que haja o aumento da mistura?

A insegurança técnica do governo federal quanto ao desempenho dos motores com mistura acima do atual B7 autorizado por lei hoje. Mesmo com empresas como a Volvo e a Mercedez, com testes já concluídos e veículos movidos a B20 já em linha de produção, o Ministério das Minas e Energia quer falar sobre isso somente depois de testes comprobatórios feitos pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que não se sente segura para atestar misturas superiores ao B7. Veja que o próprio Conselho Nacional de Política Energética, subordinado ao mesmo Ministério das Minas e Energia, emitiu uma resolução há cerca de um mês balizando o uso de B20 nas grandes cidades ou para usos específicos, como em máquinas agrícolas, desde que autorizados caso a caso pela ANP.

Essa situação decorre de falta de planejamento, do tal marco regulatório que sempre reivindicamos e que o governo chegou a esboçar em uma minuta técnica da CEIB, a Comissão Técnica Interministerial do Biodiesel, da Casa Civil e com representantes técnicos de 15 ministérios, mais a ANP, a Petrobras e o próprio CNPE. O documento está pronto desde março de 2012, em alguma gaveta da Casa Civil.

A Anfavea já poderia estar fazendo estes testes há muito tempo. Quando da adoção do B6 e depois o B7, no ano passado, o governo teve que insistir com os fabricantes de veículos no Brasil, pois eles têm os mesmos motores que rodam na Europa, de Ciclo Diesel, prontos para trabalhar com o B7.

Além disso, o biodiesel brasileiro é um dos melhores do mundo em termos de especificações técnicas que asseguram sua qualidade, depois que a ANP atualizou a resolução sobre o tema, no ano passado, reduzindo o teor de água de 500 ppm para 200 ppm, num rigor técnico superior aos dos órgãos europeus de controle.

Canal: O Brasil tem condições de atender à demanda, caso ela venha a subir?

Com o mercado B7, o parque fabril brasileiro está autorizado a produzir em torno de 8 bilhões de litros de biodiesel por ano. Em 2015, que esperávamos fechar com uma produção acima dos 4,3 bilhões, talvez não cheguemos a este patamar somente pela redução do consumo de diesel, resultado da desaceleração da economia. Então não falta capacidade instalada pronta para processar biodiesel suficiente para atender esses níveis de mistura no médio e longo prazos. De novo, é tudo uma questão de planejamento e projeção no tempo. Aí entram aspectos como a disponibilidade de matérias primas, cotações dos insumos importados, do preço da soja na Bolsa de Commodities em Chicago, da variação cambial etc. Mas, havendo uma política pública clara, tudo se resolve, ajustando as circunstâncias de cada momento.

Canal: De quanto deve ser o investimento para que esse aumento da mistura seja viável?

Quando começou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, em 2005, os empresários acreditaram tanto na iniciativa que investiram até demais, algo como R$ 4 bilhões em cinco anos, gerando mais de 100 mil empregos diretos e indiretos. Tínhamos, à época, quase 70 usinas autorizadas pela ANP a operar. Hoje não chega a 60, mas quem efetivamente performar nos leilões de venda da Agência são cerca de 40. O setor está mais ou menos consolidado.

É difícil quantificar os investimentos futuros, mas pelas projeções da Aprobio, a se manter o cenário de B7, novos investimentos serão necessários somente em 2023. Mas, se chegássemos a um B15 em 2022, precisaríamos de novas unidades processadoras a partir de 2017, desde que se tivesse um aumento escalonado do mercado de B8 no próximo ano, B9 em 2017 e B12 em 2020. Repito: repare que trabalhamos sempre com planejamento estruturado na linha do tempo. Mas agora, com o atual quadro que se projeta para esta evolução, a julgar pela predisposição das autoridades hoje, a coisa será bem diferente.

Canal: Qual deve ser o apoio por parte do governo?

O governo sempre manteve uma ótima interlocução com o setor, sempre ouvindo todos os elos da cadeia produtiva, ainda que nem sempre atendesse nossos pleitos. Mesmo quando o fez, elevando a mistura para B6 e depois para B7 no ano passado, a medida, dizem, mais do que parte da edição de um marco regulatório bem definido, deveu-se mais à necessidade de afrouxar o caixa da Petrobras com as importações de diesel.

Agora, com a COP 21, com toda uma proposta de redução de emissões de gases do efeito estufa que pode devolver ao Brasil o protagonismo no cenário internacional de combate ao aquecimento global e pelo desenvolvimento sustentado, a agenda do governo tinha justamente que caminhar nessa direção. Infelizmente, não é o que estamos vendo, mais uma vez, depois de esperar por cinco anos para migrar do B5 para o B7, período em que quase 30 usinas fecharam suas portas ou paralisaram as atividades a espera de tempos melhores. Eles vieram no ano passado, é verdade, mas na forma de soluços, como se vê agora, sem nenhum planejamento além do monitoramento da oferta de matéria-prima.

Canal: Para 2016 há otimismo com relação à produção de biocombustíveis no Brasil?

O Rio de Janeiro (RJ) quer usar B20 nas Olimpíadas. Curitiba (PR) já emprega este nível de mistura, além do B100 em outra frota de transporte coletivo. São Paulo (SP) já teve a chamada EcoFrota, com biodiesel, diesel de cana e etanol. Mas as discussões para cumprir a lei de mudanças climáticas na cidade, adotando combustíveis renováveis em toda a sua frota não parecem avançar a bom termo, apesar dos protestos e críticas da sociedade civil organizada.

E quanto à mistura obrigatória por lei, o governo fala em B10 autorizativo e B8 obrigatório somente depois dos testes da Anfavea, um ano depois da aprovação da lei, que ainda deve demorar de seis a sete meses. Estamos perdendo quase dois anos, de novo. Como cumprir as metas de redução de gases de efeito estufa assumidas com as Nações Unidas?

Canal: Com relação às exportações, qual a previsão para 2016?

Em 2014, fizemos algumas vendas ao exterior para testar novos mercados. Mas o Brasil não tem uma política de exportação de biodiesel, como a Argentina, por exemplo, uma das maiores exportadoras do mundo. Lá, exportar óleo de soja custa 24% em impostos, enquanto o biodiesel paga a metade disso. Aqui, o governo fala até em importar biodiesel para ver se estamos preparados para a competição interna. Claro que estamos, desde que em condições igualitárias de tributação e formação de preço.

Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia

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