Compromissos firmados na Conferência trazem desdobramentos para o setor de renováveis no Brasil

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A Conferência COP 21, realizada em dezembro de 2015, em Paris, na França, gerou enorme repercussão mundial pelos compromissos assumidos pelos países participantes para redução da poluição e preservação do meio ambiente. Entre esses compromissos, alguns afetam diretamente o setor de energia, já que essa é uma atividade necessária e que demanda muitos recursos naturais.

No documento apresentado, o Brasil pretende comprometer-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025. Já a contribuição indicativa subsequente é reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030.

A diretora-presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Elizabeth Farina, esteve presente no evento e comenta que cada país participante assumiu voluntariamente compromissos ambientais durante a Conferência COP 21. Segundo ela, a proposta brasileira foi bem recebida pelos participantes. “Na área de energia, que é a mais claramente ligada ao setor sucroenergético e à indústria de cana em geral, há um compromisso de redução de emissões de CO2 global. O etanol reduz até 70% do gás se comparado à gasolina.”

Para 2030, o compromisso foi de passar dos 28 bilhões de litros de etanol produzidos no Brasil para 50 bilhões de litros. Seria quase dobrar a quantidade em menos de 10 anos. “Todos os compromissos assumidos pressupõem um conjunto de investimentos. São desafios, por isso têm como prazo o ano de 2030”, diz Farina.

Outro aspecto que afeta a produção de cana é referente às renováveis para matriz elétrica e a participação da biomassa para oferta de bioeletricidade dentro da matriz elétrica brasileira. Há uma grande demanda de cana, já que atualmente ela é a principal fonte de bioeletricidade. “Todas as usinas do Brasil são autossuficientes em energia e cerca de 40% exporta energia excedente para a rede do sistema”, comenta Farina, destacando a necessidade de se investir no parque elétrico para crescimento da cogeração.

Outro compromisso brasileiro está associado à recuperação ambiental, com ações voltadas à agricultura, que também tem papel importante na indústria de cana. “O setor sucroenergético precisa expandir com sua cogeração de energia e tem condições de atender a essa demanda”, é o que acredita Leonardo Caio Filho, diretor de Tecnologia e Regulação da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), mas isso desde que sejam oferecidas condições adequadas, como um contrato de compra de energia de longo prazo (pelo menos 20 anos), com um preço que remunere seus investimentos, e condições adequadas para financiamento. “A indústria do setor sucroenergético é 100% nacional e tem condições para atender a essa expansão. De outro lado, caso o setor não evolua na mesma velocidade que vinha crescendo, esta indústria começará a perder força e os menores terão grandes dificuldades para se manter no mercado.”

Renováveis

O Brasil assumiu o compromisso de aumentar o uso de energias renováveis (biomassa, solar e eólica), excluindo-se a geração hidrelétrica para ao menos 23% da geração de eletricidade no país. Atualmente existem 142.459 MW de capacidade instalada em operação comercial na nossa matriz de geração elétrica, sendo que o somatório de biomassa (10.717 MW), eólica (8.590 MW) e solar (22,9 MW), totalizam 19.329 MW, que representam 13,5% da geração atual. Leonardo Caio Filho explica que, na base de hoje, para atingirmos os 23%, precisaríamos do acréscimo do somatório de 13.436 MW para as três fontes renováveis.

“Para buscar esse objetivo, o Brasil vem expandindo seu parque de geração por meio de contratação de energia elétrica em leilões regulados, os quais os empreendedores têm três ou cinco anos para construir seu empreendimento, dependendo do tipo de leilão que participará”, diz Leonardo. Ele ressalta que neste ano o governo federal anunciou que promoverá dois leilões de energia de reserva, sendo o primeiro em 29 de julho e o segundo em 28 de outubro. “No entanto, a fonte biomassa não foi incluída para participar desses leilões, diferentemente da eólica e solar.”

Leonardo afirma que, embora os objetivos traçados para a expansão das renováveis seja muito positivo e favorável para a contribuição de redução de emissão dos gases de efeito estufa, as ações para que a biomassa possa contribuir com sua parcela ainda são muito pequenas. “Precisamos inserir a biomassa nos leilões de energia e reserva, bem como oferecer um preço adequado para biomassa nos leilões A-3 e -5, que demonstre previsibilidade e segurança a todo o setor. Também precisamos fomentar a biomassa por meio da geração distribuída, desenvolvendo o valor de referência anual específico para biomassa (VR ES Biomassa), para o qual o conceito fora criado na Portaria do Ministério de Minas e Energia 538, de 15 de dezembro de 2015, e ainda não foi valorado.”

Ações

A Unica faz parte da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que envolve o setor produtivo, pecuária e ONGs, no sentido de contribuir para o alcance desses compromissos brasileiros firmados na COP 21. A primeira demanda do setor produtivo e dessa coalisão é apoiar a ratificação a ser feita pelo governo federal. “Além disso, deveremos estar sempre presentes dizendo que é preciso ter um conjunto de ações que envolvam tanto o setor privado quanto o público”, diz Farina.

Segundo ela, há a necessidade de um marco regulatório e politicas públicas para que se tenha mais energia renovável do que se tem hoje e para que as metas sejam atingidas. “Essas metas e compromissos podem ser, se bem administrados e feitos com perseverança, uma base para retomada de crescimento econômico e sustentável. Por isso a gente apoia tão firmemente esses compromissos, desde que tenham de fato um conjunto de políticas que incentivem o investimento.”

No período de crise econômica e política em que o Brasil se encontra, as ações em curto prazo são mais valorizadas. “Todo investimento significa olhar para frente, adotar decisões hoje que envolvem risco, para ter retorno no futuro. Quanto mais longe esse futuro, mais capital de investimento e mais tempo para maturar esses investimentos, maiores os desafios para se obter os resultados desejados”, analisa Farina. De acordo com ela, o papel do setor produtivo é lembrar ao governo de que os compromissos da COP 21 são positivos e factíveis desde que tenham regras, previsibilidade e apoio de investimentos. “Essa é a parte que a gente tem que deixar viva nesse momento.”

Levando-se em conta o setor sucroenergético, trata-se de uma indústria que tem impactos econômicos muito rápidos de acontecer, mas que o ciclo é de cerca de seis anos. Por isso, sofre muita influência das políticas públicas. Farina comenta que existem desafios no momento bastante importantes, como o preço reduzido das fontes fósseis de energia. “Isso pode ter duas consequências diferentes: inibir investimentos em energia renováveis no mundo – porque tem energia fóssil poluente, que gera custos para a sociedade, principalmente ambiental e de saúde, mas que não estão embutidos no preço do mercado – e pode inibir investimentos nas energias renováveis para aproveitar preço das fósseis. Por outro lado, pode gerar momento que haja espaço para iniciar programa em vários países de incentivo às energias renováveis sem impactar tanto o consumido”. Entretanto, tudo depende das decisões políticas a serem tomadas em todo o mundo a respeito da composição da matriz energética.

Biocombustíveis

No que se refere a biocombustíveis, a proposta apresentada pelo Brasil aponta que o país “já tem um dos maiores e mais bem-sucedidos programas de biocombustíveis, incluindo a cogeração de energia elétrica a partir da biomassa. É o país que alcançou os mais expressivos resultados na redução de emissões por desmatamento, principalmente em função da queda da taxa de desmatamento na Amazônia brasileira em 82% entre 2004 e 2014. A matriz energética brasileira contém hoje 40% de energias renováveis (75% de renováveis na oferta de energia elétrica), o que representa três vezes à participação média mundial – e mais de quatro vezes à dos países da OCDE. 10 Tudo isso já faz do Brasil uma economia de baixo carbono.”

Ana Flávia Marinho-Canal-Jornal da Bioenergia

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